Como faço todos os sábados, hoje eu estava na corrida das madrugadas.
Por volta das 15 para as 6, corria na Avenida Nazaré, bem ao lado da Basílica, entre 14 de Março e Generalíssimo, onde deparei-me com dois homens numa discussão.
Ambos ao berros - mas aos berros mesmo, desses de acordar quarteirão, que àquela altura ainda dormia.
Um dos caras dirigia um táxi. O outro estava numa bicicleta.
A briga, presumo, era porque o ciclista quase teria sido atropelado pelo táxi.
Não sei quem tinha razão. E nem fiz questão de saber. Porque isso é o que menos importa.
Eu, que já sei palavrões de A até Z, aprendi mais uns 50, em apenas 15 segundos, tempo em que presenciei a discussão, já que passava bem perto dos dois homens.
- Tu é que avançaste, filho da p... - berrava o ciclista.
- Vai te f..., cara... - respondia o taxista.
- A tua mãe, filho da p... Eu te dou é um tiro - avisou o da bicicleta.
O do táxi, ouvindo isso, acelerou e foi embora.
Não houve tiro. E por que não?
Pelo motivo óbvio de que o homem disposto a atirar em meio a uma discussão boba não dispunha de uma arma na ocasião.
Mesmo correndo, e procurando me afastar daquela briga, fiquei pensando que a arma, para os nossos fanáticos da Pátria Amada, é sinal de liberdade, libertação, de garantia da própria segurança.
Quem prega essa tese libertadora é o Herói que já foi assaltado. Mesmo estando armado.
Por conta disso, o jornal O Globo de sexta-feira (17) mostrou, em reportagem de página inteira (vejam acima), que desde setembro do ano passado até agora nada menos de 270 mil armas de fogo foram adquiridas por brasileiros. De acordo com levantamento do Instituto Sou da Paz, são quase 30 mil novas peças compradas diariamente por civis, no período mencionado.
Isso é resultado dos decretos do governo Bolsonaro que facilitam o porte e a posse de armas pela população civil. Decretos, ressalte-se, contestados no Supremo em 12 ações - isso mesmo, 12 - até aqui mofando nas gavetas luzidias do gabinete de Sua Excelencia o ministro Nunes Marques.
Se o ciclista da briga a que eu assisti tivesse uma arma, teria atirado no taxista que passava bem ao lado dele e praticamente ao meu lado.
E poderia tê-lo matado não porque estava sob ameaça, mas simplesmente porque sua raiva saiu do controle.
Eis uma situação emblemática de que uma arma é, para muitos, um salvo-conduto para extravasarem violências reprimidas e matarem desnecessariamente, mesmo que não estejam sob ameaça alguma.
Fanáticos são capazes de se convencer disso?
Claro que não.
É por isso que o Brasil está como está: refém do fanatismo e da imbecilidade travestida de heroísmo.
Ou de heroísimo travestido de imbecilidade.
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