Trechos da decisão: nem Estado, nem Prefeitura têm programas de distribuição de alimentos |
Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
Uma coisa são os discursos eloquentes - e grandiloquentes - de governantes magnânimos, dadivosos, cheios de amor pra dar, plenos e prenhes de preocupações com o social e diligentes em divulgar números sobre realizações destinadas, supostamente, a minimizar os efeitos cruéis da exclusão em que se encontram enormes contingentes populacionais.
Outra coisa é a realidade, quando mostra a sua cara. Mostrando-se sem retoques, a realidade derruba toda a grandiloquência, desmente todos os discursos e mostra a verdadeira face de corações generosos.
É o caso de cidadão que, definindo-se em situação de "extrema pobreza", impetrou mandado de segurança para obrigar o prefeito de Belém, Edmilson Rodrigues, e o governador Helder Barbalho a garantirem que ele, desprovido de condições dignas de sobrevivência, tivesse acesso aos benefícios previstos na Lei de Segurança Alimentar (Lei nº 11.346/2006). O processo, com consulta aberta a qualquer cidadão, foi atuado sob o número 0807792-39.2022.8.14.0000 e pode ser acessado no site do Tribunal de Justiça do Estado do Pará.
A Lei nº 11.346/2006, invocada pelo peticionante, determina que a União, Estados e Municípios promovam a criação do Sistema Nacional de Segurança Alimentar (Sisan), que não teria sido instalado até agora por inércia dos entes públicos.
Por essa razão, e destacando que seu pleito possui amparo na Constituição Federal e na legislação extravagante, o cidadão extremamente pobre requereu a concessão de tutela antecipada, ou seja, de uma liminar, para que o governo do Estado lhe promova assistência alimentar imediata por meio da Secretaria de Estado de Assistência Social, Trabalho, Emprego e Renda do Estado do Pará. Da Prefeitura de Belém, o requerente pretende receber assistência da Fundação Papa João Paulo XXII (Funpapa).
Pois nem um, nem outro. Nem governo do Estado, nem Prefeitura de Belém estarão obrigados a socorrê-lo. O cidadão extremamente pobre, que bateu às portas da Justiça para implorar que, pelo menos, tenha comida para sobreviver, cotinuará extremamente pobre e precisando de comida.
Por quê?
Distribuição de alimentos - Porque, no entender do relator da ação, desembargador Jose Maria Teixeira do Rosário, como Estados e Municípios não integram a ADA - Ação de Distribuição de Alimentos a Grupos Populacionais Específicos (ADA), regulamentada pela Portaria nº 527/2017 do Ministério do Desenvolvimento Social (MDS) -, o direito líquido e certo do impetrante ao recebimento da assistência alimentar, com base na Lei Orgânica da Segurança Alimentar e Nutricional, somente restaria configurado na hipótese de existência de programa de distribuição de alimentos no âmbito dos referidos entes públicos, no caso o Estado do Pará e o município de Belém.
Diz mais, o relator: que "nem a Lei Estadual nº 7.580/2011 nem a Lei Municipal nº 9789/2022 trazem qualquer previsão nesse sentido, tampouco o Decreto Estadual nº 929/2008, o Decreto Municipal nº 61.124/2009 (revogado), o Decreto Federal nº 6.040/2007 ou a Portaria nº 58/2020 do Ministério da Cidadania, apontados pelo impetrante em sua petição inicial".
Lembra ainda que, muito embora a Lei Federal nº 11.346/2006 mencione a entrega de cestas básicas no âmbito da Sisan, "importa ressaltar que tal medida depende da criação de política pública específica, com a definição dos critérios aplicáveis e a previsão orçamentária para seu financiamento".
Se nem o governo do Estado, nem a Prefeitura de Belém são responsáveis em socorrer um cidadão extremamente pobre que precisa de alimentação básica para sobreviver, então quem é?
Responde o relator: "Desta feita, não resta evidenciado o descumprimento de dever estatal por parte do Estado do Pará ou do Município de Belém a ensejar a intervenção do Poder Judiciário no presente caso, uma vez que o direito constitucional à alimentação deve ser garantido pelo Governo Federal mediante o pagamento de renda básica familiar, na forma do art. 6º, parágrafo único, da Constituição Federal."
Qual o fim dessa novela?
A novela, no âmbito do Judiciário, seguiu com uma apelação cível impetrata pelo cidadão extremamente pobre. A apelação foi negada pelo relator, por considerá-la inadmissível.
O autor da ação ingressou, então, com um agravo de instrumento, que também nem foi conhecido pelo relator, por ser inadmissível, eis que o recurso correto seria um agravo interno.
No âmbito do Judiciário, portanto, a parada está aí.
Já no âmbito da realidade, os pobres, como o o autor da ação, continuarão extremamente pobres, com fome, excluídos e maltratados. Em contradição completa com discursos eloquentes - como também grandioloquentes, magnânimos e dadivosos - que pregam o tudo pelo social.
2 comentários:
Trocando em miúdos, só restou a esse cidadão fazer o clássico L, já que o direito constitucional à alimentação é da alçada do governo federal, como deixou bem claro o relator.
Nossa! Fazer o que ? O L?
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