sexta-feira, 27 de outubro de 2017

Tribunal suspende regra sobre redação do Enem



O desembargador federal Carlos Moreira Alves, da 5ª Turma do Tribunal Regional Federal da 1ª Região, determinou a suspensão do item 14.9.4 do edital do Exame Nacional do Ensino Médio (ENEM) de 2017 que atribui nota zero, sem correção de seu conteúdo, à prova de redação que seja considerada desrespeitosa aos direitos humanos. A decisão foi tomada em caráter de urgência a pedido da Associação Escola Sem Partido, tendo em vista a proximidade da realização das provas.
No pedido feito ao TRF1, a entidade sustenta que um dos principais objetivos do ENEM é o de servir de mecanismo de seleção ao preenchimento de vagas em instituições de ensino superior, cujo texto produzido na prova de redação será avaliado de acordo com os critérios estabelecidos em regras do edital do certame, dentre elas a que determina o respeito aos direitos humanos no desenvolvimento do tema proposto, sob pena de ter atribuída nota zero, em verdadeira punição no expressar de opinião considerada atentatória contra eles.
“Ninguém é obrigado a dizer o que não pensa para poder ter acesso às universidades”, argumentou a Associação Escola Sem Partido. “Não existe um referencial objetivo em relação aos parâmetros a se adotar na avaliação das propostas de intervenção para o problema abordado, impondo-se aos candidatos, em verdade, respeito ao ‘politicamente correto’, na mais do que um ‘simulacro ideológico’ dos direitos humanos propriamente ditos”, acrescentou.
O Instituto Nacional de Estudos e Pesquisas Educacionais Anísio Teixeira (INEP), responsável pela organização do ENEM, defende a legitimidade da medida. “Conforme pacificado pela Suprema Corte, não se admite ao Poder Judiciário reexame de critérios de correção de processos seletivos”, pontuou. “Ademais, todos os critérios de eliminação na prova discursiva, inclusive o aqui impugnado, foram estabelecidos pelo edital do processo seletivo em fiel observância à isonomia entre os participantes”, complementou. 
Decisão – Ao analisar o caso, o magistrado invocou dois fundamentos que sustentam a ilegitimidade desse item do edital do ENEM: “ofensa à garantia constitucional de liberdade de manifestação de pensamento e opinião, também vertente dos direitos humanos propriamente ditos; e ausência de um referencial objetivo no edital dos certames, resultando na privação do direito de ingresso em instituições de ensino superior de acordo com a capacidade intelectual demonstrada, caso a opinião manifestada pelo participante venha a ser considerada radical, não civilizada, preconceituosa, racista, desrespeitosa, polêmica, intolerante ou politicamente incorreta”.
Na decisão, o magistrado assinala que o conteúdo ideológico do desenvolvimento do tema da redação é, ou deveria ser, um dos elementos de correção da prova discursiva, e não fundamento sumário para sua desconsideração, com atribuição de nota zero ao texto produzido, sem avaliação alguma em relação ao conteúdo intelectual desenvolvido pelo redator.
“Transforma-se, pois, mecanismo de avaliação de conhecimentos em mecanismo de punição pelo conteúdo de ideias, de acordo com o referencial dos corretores a propósito de determinado valor, no caso os direitos humanos, que, por óbvio, devem ser respeitados não apenas na afirmação de ideias desenvolvidas, mas também em atitudes e não dos participantes do ENEM, mas de todo o corpo do tecido social”, salientou o desembargador Carlos Moreira Alves.
Ainda de acordo com o magistrado, o próprio INEP não tem muita segurança quanto à legitimidade do item 14.9.4 do edital. “Não vejo maior relevância na argumentação do agravado de que, conforme pacificado pela Suprema Corte, não se admite ao Poder Judiciário reexame de critérios de correção de processos seletivos. No caso em exame, não se trata de critério de correção de prova, mas, sim, de negativa de correção da mesma, mediante atribuição de nota zero sem que se faça tal atribuição mediante a avaliação intelectual de seu conteúdo ideológico”, advertiu.
Nesse sentido, finalizou o desembargador, “tenho, pois, por presente a plausibilidade do direito defendido e, ao mesmo tempo, a possibilidade de advir aos participantes do ENEM dano irreparável ou de difícil reparação, diante das consequências que a atribuição de nota zero acarreta, razão por que dou provimento ao agravo de instrumento para, concedente a tutela de urgência requerida, determinar a suspensão, em relação ao ENEM do exercício em curso de 2017, da aplicação do item 14.9.4 do Edital INEP nº 13, de 7 de abril de 2017, na parte em que determina atribuição, sem correção de seu conteúdo, de nota zero à prova de redação que seja considerada desrespeitosa aos direitos humanos, até o julgamento do mérito da ação civil pública, ou ulterior deliberação judicial”.

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