quarta-feira, 14 de setembro de 2011

Religião se discute


Religião não se discute. Esta é ainda uma expressão corrente. Verdadeiro tabu, que sobrevive a todo tipo de mudança neste acelerado século XXI. Por que o elemento religioso continua blindado contra o argumento? Por que motivo, sendo verdadeiro - como se diz ser, aqui e acolá -, ele procura escapar do senso crítico?
Sem sombra de dúvidas, a religião é um dos ramos mais férteis do conhecimento. Razão do pensar. Por lidar com o sagrado, seus conceitos são capazes de ultrapassar a própria filosofia, enquanto investigação de todas as coisas. Na religião, o conhecimento é transcendente. Superior. Causa e efeito. Então, por que não discuti-la?
Uma das causas dessa visão hermética sobre a religião está na falta de conhecimento acerca de seu processo de formação. Sim, porque, existência de Deus à parte, religiões derivam também de processos históricos. Nascem de um conjunto de fatos. Fatos espirituais, genuínos para o crente, e de outros espiritualizados, gestados no tropel ininterrupto da humanidade.
No caso específico do cristianismo, o que temos hoje estabelecido enquanto verdade religiosa é justamente o que se construiu nestes dois milênios. É o resumo da Revelação, enquanto ato divino e soberano de Deus se dar a conhecer ao mundo, e o que as gerações construíram em dois mil anos. Então, não há como excluir a investigação, a análise crítica sobre esse processo.
Durante estes quarenta e oito anos de fé cristã, incluindo períodos no protestantismo e no catolicismo, tenho orado para que essas coisas fiquem bem arrumadas na minha cabeça. Peço sempre que religião não se misture com Deus. Que o Absoluto não se confunda com o relativo, factível e histórico. Não quero ter fé por fé. Crer porque outros creem.
Ao nascer neste mundo, toda pessoa tem o direito de investigar as verdades que lhe são apresentadas. Mesmo estando há dois mil anos do ministério pessoal de Jesus, não somos diferentes daqueles que viveram no primeiro século. E, entendo, que, pelo fato de termos nascido numa época muito distante, mais diligência devemos empregar em assuntos que dizem respeito à nossa própria salvação. Então, religião se discute. Este é um princípio de inteligência.
Não pretendo ser melhor do que Jesus. Se você olhar direitinho a conduta do Mestre, verá que ele não poupou a própria religião. Discutiu. Interpretou. Relativizou suas verdades. Sacerdotes, templos e sistemas passaram pelo crivo da boa crítica do Nazareno. Fez isto a vida inteira. Foi a presença de erros na religião que evidenciou as grandes verdades do evangelho. Não houvesse discussão, e a luz não brilharia tanto. Foi desse confronto que nasceu o cristianismo. Luz divina e trevas religiosas. Oposição entre o que Deus representa, em sua acepção absoluta, e o modo como os homens o formataram no decurso dos séculos.
Recuso-me a crer além dos evangelhos. Duvidarei de Paulo, se Jesus pensar diferente. Estou pronto a exorcizar qualquer anjo que me apareça com mensagem fora da Revelação. Seja anátema, segundo a boa teologia paulina. Sei que as religiões se transformam em grandes sistemas, onde outros interesses passam a justificar seus meios. Precisamos discutir. Ponderar. Pensar o próprio pensamento, no dizer da filosofia. Isto é vital para crescermos em graça e sabedoria diante de Deus.
Não tema discutir religião enquanto processo histórico. Não é pecado pensar. Isto não gera ateus. Gera crentes amadurecidos. Discuta o discutível. Leia a Palavra. Compare o que Jesus ensinou com algumas pregações atuais. Tenha visão de mundo. Segundo a teologia original da Bíblia, é a nossa alma que está em jogo.
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RUI RAIOL é escritor
(www.ruiraiol.com.br)

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