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Ércio Bemerguy: em sua partida, um convite para seguirmos na aventura da vida |
Sempre fui apaixonado por rádio.
Quem me fez ser tão apaixonado foi meu tio Ércio Bemerguy. Acho que ele nunca soube disso, mas que fique sabendo agora, ora bolas! Porque nunca é tarde para se fazer uma confissão.
Moleque maluco e sonhador, cheguei a sonhar até em ser locutor, mais precisamente narrador esportivo, dada a minha outra paixão, esta pelo futebol. Mas não queria ser um narrador qualquer. Um Waldir Amaral, um Jorge Cury, um Doalcey Bueno de Carmargo já me satisfariam. Resultado: queria muito e acabei nada sendo. Aí, virei jornalista.
Pirralho ainda - pirralhíssimo - lé pelos anos 1960, em Santarém, fui apresentado por Ércio Bemerguy à radiofonia, levado pelas mãos dele à rádio da Arquidicese de Santarém, a Educadora, então recém-fundadada em 1964 e com seu alicerçes fincados, sem exageros, no meio de um matagal, no bairro do Caranazal, hoje uma área plena e densamente urbanizada da cidade, mas que, naquela época, só era acessível por Jeep, o veículo talhado para vencer areiões. Como aquele Jeep em que eu, algumas vezes, acompanhei meu tio à emissora onde ele começara a trabalhar.
Ércio foi bancário por 4 mil anos e aposentou-se como tal. Mas como radialista é que sempre se notabilizou. E na minha memória também se solidificou não o Ércio bancário, mas o Ércio radialista.
Há 60 anos, numa cidade como Santarém, que ainda nem sabia o que era televisão ou jornal diário de médio porte que fosse, a rede social - verdadeira, genuína, raiz - era o rádio. E locutor de rádio era quase uma celebridade. Senão uma grande celebridade.
Ércio Bemerguy marcou época como radialista em Santarém. Ao lado de seu amigo e parceiro Edinaldo Mota, comandou por vários anos aquele que, certamente, foi o único e grande programa de auditório em toda a região oeste do Pará.
Era o E-29 Show, apresentado a partir dos anos 1970, sempre aos domingos à noite e transmitido ao vivo pela, agora, Rádio Emissora de Educação Rural de Santarém Ltda. - nova denominação da antes Educadora - e realizado no histórico Auditório Cristo-Rei, situado na Travessa dos Mártires, bem em frente à emissora.
O Cristo-Rei não apenas lotava como a audiência pela rádio era fantástica. Porque programa que tem disputa de calouros dispostos a desbancar os mais astros mais estelares não é qualquer programa.
Mas não só isso. Como suas atividades de bancário não lhe permitiam ter um horário fixo e diário na grade de programação da Rádio Rural, seu programa limitava-se aos sábados de manhã. Era o EB Faz o Sucesso. Como o E-29 Show, também era um sucesso. Sem exagero.
Com essa cancha toda que foi alcançando, Ércio Bemerguy começou a intermediar a ida de grandes - sim, grandíssimos - artistas da época a Santarém. Muitos, aliás, iam do Sul/Sudeste diretamente para Santarém, sem se apresentarem em Belém, onde a TV já era nascente.
Lembro-me de ter ido a shows de Jerry Adriani, Wanderley Cardoso, Martinha, Wanderléa, José Roberto e outros da Jovem Guarda, além de Agnaldo Timóteo, o impagável Rossi, Renato e Seus Blue Caps, entre tantos outros. Esses artistas tinham no velho e hoje já saudoso Estádio Elinaldo Barbosa o seu Carnegie Hall, porque santareno que se preza não compara seus templos artísticos - nem os de antigamente - com qualquer um, é claro.
Ércio Bemerguy só deixou o rádio quando, por volta de 1978, mudou-se definitivamente para Belém, onde continuou como funcionário do Basa até se aposentar.
Aposentou-se do rádio, mas não da vida.
Dos quatro filhos de meus avós Vidal e Didó - também pais de Emir Bemerguy, de Eros (meu pai) e Edith, minha tia linda, doce e querida por todos -, Ércio era, incontrastavelmente, o mais extrovertido.
Tinha um vozeirão. Seu Olá, Paulo, recepcionando o Paulo ou qualquer um, ressoava longe.
Ércio gostar de arrodear-se de amigos. Estar com amigos era mais do que uma satisfação. Era um alumbramento, na verdadeira acepção do termo. Era um encantamento.
Quando ia a Santarém, não deixava, geralmente, de bater ponto na velha, tradicional e inocentemente indiscreta garapeira da Praça da Matriz, de onde afloravam (ou ainda afloram?), deslizando de forma serena e sem culpas, pela língua dos frequentadores, as mais frescas fofocas santarenas.
Conhecedor dos grande personagens da cidade de A até Z e de Z até A, Ércio era um contador de muitas histórias, que continuaram a conectá-lo vivamente com seus amigos, agora pelas redes sociais.
E mantinha milhares de amigos, podem acreditar. Nos últimos anos, seu perfil no Facebook, podem conferir lá, tinha 5,5 mil. Era o seu E-29 Show. Ou quase isso.
Com os amigos dividia opiniões - muitas polêmicas, porque ninguém é de ferro -, resgatava fotos antigas, dava notícias de gente que há muito não via mais, festejava os aniversários e lamentava as partidas para a Eternidade.
Hoje, sou eu - seguramente acompanhado por milhares - que revolvo minhas entranhas ao reviver essas lembranças, diante da partida de um cara que não foi só meu tio. Mais do que isso, foi um grande camarada.
Para poupar meu pai de um momento tão doloroso, era meu tio que estava comigo, bem ao meu lado, quando fui receber o corpo de minha mãe, Nícia, no Hospital da Ordem Terceira, aqui em Belém, quando ela faleceu, naquela madrugada de novembro de 2006 que eu jamais esquecerei.
Ércio Bemerguy fez-se saudade eterna às 4h50 deste sábado (28), aos 82 anos completados no último dia 2 de junho, após padecimentos lancinantes que se agravaram a partir do final de março, quando viu-se torpedeado por severas complicações de saúde, inclusive 4 AVCs.
Partiu, coincidente e emblematicamente, num sábado, dia em que mais gostava de reunir filhos, netos, genros e noras em sua própria casa, sobretudo quando ainda tinha seu lado minha tia - também querida e saudosa - Albanira, que nos deixou no ano passado, precisamente no dia 21 de junho.
Valente, agarrou-se à vida o quanto antes, mas, como sabemos, os fios uma hora se rompem, mesmo que sejam de aço. É a lei da vida. E na vida, nada mais certo do que a morte. Mas, quando chega essa hora horrível, ninguém se dá conta de que, como dito, esta é a lei da vida.
Tive ainda a felicidade de ver meu tio se recuperando depois do primeiro AVC. Depois, não mais, a não ser hoje, quando fui despedir-me dele.
Precisei tocar-lhe as mãos e a face para ver se aquilo era verdade. Mas era. Infelizmente!
Aliviou-me ouvir Ercinho, meu primo, dizer que também sentia uma sensação de alívio por ver espelhada, na face do seu pai, uma expressão serena, sereníssima, em contraste com as dores que lhe foram debilitando inexoravelmente nas últimas semanas, apesar de toda a assistência e o carinho que estava recebendo.
Essa serenidade, estou certo, foi a sua voz - tonitruante, densa, bem timbrada - convidando-nos a também seguir nesta aventura - muitas vezes, fortemente imprevisível - que é a vida.
Ércio Afonso da Cunha Bemerguy.
Nunca te esquecerei!
7 comentários:
FÉ E DEVOÇÃO
(Canto em louvor à Nossa Senhora da Conceição)
Letra: Ércio Bemerguy
(Belém-PA, 21 de novembro de 2024)
Música: Vicente José Malheiros da Fonseca
(Belém-PA, 22 de novembro de 2024)
Em fervorosa oração
Gente rica, gente pobre
Com fé e devoção
À Virgem Santa recorre
Pede bênção, pede graças
Chora, reza, canta, implora
Mãe querida, livra-nos das desgraças
Queremos paz, todo dia, toda hora
Nossa Senhora da Conceição
Este povo Te ama, Te quer bem
Ajuda-nos, ouve a nossa oração
Abençoa todos nós e a nossa Santarém.
(Repete a última estrofe)
_________________
Harmônica e Piano.
Execução simulada por computador.
Vídeo:
https://youtu.be/sFtPQodj5G4
...
Texto maravilhoso Paulo! Me emocionei.
Paulo:
Com uma tristeza que recebi o falecimento do amigo Ércio Foi um grande amigo. Nos falalavamos qiase todos os dias pelo whatsapp e quando vinha a Santarém, saíamos muito.
Receba nossos pêsames e na certeza que deacansa na Paz de Cristo!
Abraços
Jorge Serique
Santarém
Força e fé queridos amigos 🙏🏼
Amigo Paulo, belo escrito sobre swu tio, que era um grande amigo meu e de mibha família. Minha mãe foii professora dele e nutria um carinho nobre por ela Sempre que vinha a Santarém, me procurava e saíamos na night. Sem falar nas conversas diárias no whatsapp.. Era um homem inteligente e discutia sem erros qualquer assunto.
Você realmente é o mago das palavras, ao externar a história marcante de tio Ércio.
Nossa solidariedade!
Jorge Serrique
SAntarém Paŕá
Obrigado, amigo
Muito obrigado!
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