terça-feira, 13 de novembro de 2012

Emir Bemerguy

Emir Bemerguy - Emir Hermes Bemerguy -, 79 anos, fechou os olhos para sempre por volta das 9h30 de hoje, num hospital de Santarém.
Morreu serenamente.
Placidamente.
Tranquilamente.
Acalmou-lhe não a prostração, não a debilidade que progressivamente o dominava nos últimos meses, desde que sofreu AVCs, dos quais sobrevieram graves e irreversíveis complicações pulmonares.
Acalmou-lhe, sim, inebriar-se com as canções sobre Santarém, que ele ouvia num gravador posto ao lado da cama.
Acalmou-lhe ouvir algumas poesias, das centenas e centenas que compôs, lidas por sua filha Lila Rosa.
Acalmou-lhe saber-se confortado, querido, estimado, lembrado mesmo por vozes de longe.
Ontem ainda, ligaram de Santarém para pedir-me que dissesse alguma coisa a meu tio.
Ele praticamente já não falava mais.
Mas ouvia perfeitamente.
E melhor que isso, sentia.
- Sou eu, meu tio. Um beijo no senhor. Um beijo no seu coração. Toda a força do mundo. Fique em paz. Fique com Deus. - eu lhe disse bem alto ao telefone, para que pudesse ouvir bem.
Não ouvi nem um sussurro do outro lado.
Mas quem estava ao seu lado me disse que, ao ouvir minha voz, Emir arregalou os olhos e lagrimou.
Uma lágrima - apenas uma - aflorou-lhe aos olhos.
Uma lágrima que representava uma turbilhão de emoções.
Uma lágrima que talvez tenha sido de gratidão.
A gratidão de ser lembrado em todos os momentos, inclusive aquele.
Uma lágrima de quem fez das emoções - todas, as boas e ruins - a motivação para fazer o que sempre lhe deu prazer na vida.
Emir Bemerguy foi dentista.
Mas exerceu a profissão apenas para sobreviver.
O que lhe dava prazer na vida eram as letras.
Eras as humanidades.
Era escrever.
Compor.
Poetar.
Versejar.
E ensinar.
Foi professor de gerações e gerações que passaram pelos Colégios Dom Amando e Santa Clara, dois dos mais tradicionais estabelecimentos de ensino em Santarém.
Ensinou biologia, química, literatura, língua portuguesa... Até matemática e física, que não eram muito a sua praia.
Além de poesias, sua produção intelectual incluiu romances - cheguei a ler uns dois -, crônicas e memórias.
Tudo sempre esteve meticulosamente arquivado em pastas, às centenas.
Tudo catalogado e guardado em vários armários.
Chegou a fazer várias composições com o Maestro Isoca, de quem foi vizinho, compadre e por quem nutria uma afeição fraterna que ultrapassou, em muito, as meras e eventuais relações de compadrio e vizinhança.
Com o grande Paulo Rodrigues dos Santos, o autor do insuperável Tupaiulândia, travou igualmente uma amizade que o enriqueceu intelectualmente.
Por mais de 20 anos, assinou artigos que O LIBERAL publicava todos os domingos.
Emir Bemerguy não nasceu em Santarém.
Nasceu em Fordlândia, ainda quando ali florescia a experiência épica de Henry Ford, de fazer daquele pedaço de chão um microcosmo do território americano, em tempos em que as grandes corporações capitalistas já expandiam seus tentáculos, ensaiando o que hoje chamam de globalização.
Mas Santarém era que inspirava Emir Bemerguy.
Ele amava aquela cidade.
Tratava-o como o torrão que lhe fermentava o espírito para extravasar os seus sonhos, as suas ilusões, as suas críticas de costumes, como também suas desesperanças e frustrações.
Foi em Santarém que ele formou sua família, tendo ao lado uma companheira, Berenice, que não foi propriamente uma mulher, mas uma flor, uma joia rara, preciosa. Uma gigante que nem chega a ter 1,60 m de altura, mas carrega sentimentos e uma pureza d'alma de dimensões indescritíveis.
Foi em Santarém que nasceram seus filhos - Emir, Vidal Antônio, Telma Suely (que faleceu há mais de 30 anos), Márcia Regina, Lúcio e Lila Rosa.
Há pouco mais de um mês, precisamente no dia 27 de setembro, Emir Bemerguy perdeu seu irmão Eros, meu pai, meu querido, meu velho, meu amigo.
Há pouco mais de um mês, dois golpes muito grandes.
Lancinantes.
Desconcertantes.
Dolorosos.
Terrivelmente dolorosos.
Dois golpes que confirmam, porém, a certeza de que a vida é mesmo feita de momentos que não podemos escolher, mas que são inevitáveis.
Que a lágrima de meu tio, ao ouvir que recebia um beijo de quem está longe, seja também um sinal de que o amor e a afeição nunca haverão de morrer.
Um sinal de que há vida para viver.
Porque é preciso continuar vivendo.

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O corpo de Emir Bemerguy será velado hoje, inicialmente na capela mortuária da Matriz de Nossa Senhora da Conceição.
Depois da missa das 18h, será transferido para o interior da própria igreja, onde permanecerá até amanhã, às 8h, quando haverá uma missa especial.
Posteriormente, o sepultamento no Cemitério de Nossa Senhora dos Mártires.
O Espaço Aberto para por alguns dias.

9 comentários:

Pedro do Fusca disse...

Meus sentimentos, meu caro Paulo.
Pedro do Fusca.

luciane fiuza disse...

Deixo minha solidariedade neste momento difícil. Abs! Luciane.

Poster disse...

Caros leitores,
Informo que muitos - quase a totalidade - dos comentários mandados para esta e outras postagens não estão entrando nas caixinhas, muito embora autorizados pelo poster.
Estou tentando resolver esta instabilidade, que se apresenta há alguns dias.
Alguns comentários entram muito depois da autorização. Outros não.
De qualquer forma, agradeço sensibilizado as manifestações de solidariedade que tenho recebido.

Onizes Araujo disse...

Meus mais sinceros sentimentos à você, PB, como também ao meu contemporâneo Ércio, meus amigos, e à toda família Bemerguy.
A partida de Emir deixa a saudade,mas fica a certeza de que ele estará no Reino dos bons, daqueles que plantaram aqui na Terra e auferirá o prêmio e o galardão merecidos.

lapaoloni.blogspot.com disse...

Querido amigo,

abraço carinhoso pra ti e toda a família. Paz à alma do Emir!

Anônimo disse...

Paulo,
Aceite sincera solidariedade por mais essa enorme perda para a família Bemerguy, de tantos talentos.Lia os artigos do Emir em "O Liberal", que ele mandava de Santarém para o mundo. Estilo enxuto e conteúdo analítico próprio de quem opinava com conhecimento de causa, não por ouvir dizer. É uma grande perda também para a cultura paraense.

Francisco Sidou disse...

Paulo,
Aceite sincera solidariedade neste momento de dor por mais essa grande perda para a família Bemerguy, de tantos talentos.Lia os artigos do Emir, em "O Liberal" e aprendi a gostar sobretudo de seu estilo enxuto e das análises isentas sobre os acontecimentos de Santarém, do Pará, do Brasil e do Mundo, que descrevia com conhecimento de causa e não apenas por ouvir dizer. Cronista e poeta dos bons, sua morte também representa uma grande perda para a cultura paraense.

Franssinete Florenzano disse...

Querido Paulo, o Dr. Emir soube dar exemplo de dignidade, altivez e humildade, além da marca indelével que deixou através de sua poesia e prosa. Um grande homem, cuja memória há de ser preservada por Santarém, terra que ele tanto amou. Beijo.

Ocelio de Jesus Morais disse...

Caro Paulo Sérgio Porto Bemerguy, receba, em nome de sua familia, minhas preces pela boa alma de seu tio - pessoa simples, caridosa e observadora que tive o pazer de conhecer nos tempos de O LIBERAL e, bem antes, nos tempos de Seminaio São Pio X, em Santarém. Ele, amigo de Dom Tiago Ryan, sempre teve bom convívio com os seminaristas.
Deus o acolheu no Reino da Paz.
Océlio de Jesus C Morais