terça-feira, 15 de junho de 2010
Os castelos do poder
Ainda hoje, existe o hábito salutar em que os pais costumam fazer seus rebentos dormir com canções de ninar. Outros contam histórias infantis de Peter Pan, O Gato de Botas, Branca de Neve e os Sete Anões etc. Mas existem aqueles pais que substituíram as fábulas e histórias de dormir a seus filhos por pesadas homilias. Certa noite, explica para seu sonolento filho: o castelo do poder é um lugar de passagens complicadas, é como se fora um labirinto de cômodos interligados... Não tem comunicação visível com o meio externo. Sua primeira tarefa é encontrar um jeito de entrar.
Quando resolver essa charada, quando chegar como suplicante ao primeiro cômodo do poder, vai achar nele um homem com as feições de um cão, que vai tentar expulsar você. Se com algum truque conseguir passar por ele, você vai entrar num segundo cômodo, guardado desta vez por um homem com cabeça de chacal, e no cômodo seguinte um homem com cabeça de serpente e faminto, e assim por diante. No penúltimo cômodo, há um homem com cabeça de raposa. Esse homem, de qualquer maneira, vai tentar afastar você do último cômodo, na qual está sentado o homem do verdadeiro poder. Ou seja, ele vai tentar convencer você de que já está nesse cômodo e que ele próprio é esse homem... Se conseguir perceber os truques do homem-raposa e puder passar por ele, vai, enfim, se encontrar no cômodo do poder.
O cômodo do poder não tem nada de especial e nele o homem do poder está na sua frente, do outro lado de uma mesa vazia. Ele parece pequeno, insignificante, tímido, porque agora você invadiu sua intimidade, você penetrou em suas defesas, agora ele tem de lhe conceder o que seu coração deseja. Essa é a regra.
Mas no caminho da saída, novas ciladas o estão esperando. O homem-cão, o homem-chacal, o homem-serpente e o homem-raposa não estão mais lá. No lugar deles, os cômodos estão cheios de criaturas horrendas e voadoras, semi-humanos, homens alados com cabeça de pássaro, homens-águia, homens-abutre e homens-falcão. Eles mergulham na sua direção com a intenção de arrebatar o seu tesouro.
Nessa luta, cada um arranca um pedacinho dele. Quanto você vai conseguir levar para o castelo do poder? Você vence todos e está de novo do lado de fora, os olhos apertados e doloridos por causa da luz brilhante, agarrado ao pobre restinho esfarrapado, vai ter que convencer a multidão descrente - aquela multidão impotente, invejosa! - de que você voltou com tudo o que queria. Senão, será marcado como um fracassado para sempre... Essa é a natureza do poder.
Aqui e acolá, nesses modernos castelos, abundam questões relacionadas à política e ao poder: decisões sobre promoções, disputas por recursos e investimentos, uso do conhecimento técnico para influenciar decisões, tentativas de catequização e padronização da cultura organizacional, intrigas palacianas, golpes e contragolpes, conchavos e conflitos de todo tipo. Curiosamente, nesses espaços corporativos pós-industriais, poder e política continuam sendo tabus, como se não pertencessem ao mundo dos negócios. Pouco se fala e quando se fala faz-se uso de circunlóquios e eufemismos.
Os castelos do poder permanecem - e permanecerão - a existir, com seus homens-chacais, seus cômodos fantasmagóricos e seus ocupantes taciturnos. Afinal, política e poder estão presentes em qualquer ajuntamento humano. E as criaturas das trevas costumam perder o rumo quando expostas à luz do sol.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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