domingo, 3 de maio de 2009

Caríssimo comandante Fidel

SERGIO BARRA

Viva La Revolución! Valho-me dessa missiva para cumprimentar o bravo comandante pelos cinquenta anos da Revolução Cubana e, claro, desejando um pronto restabelecimento da cirurgia a que foste submetido e que ainda te prende ao leito. Sei quanto o estado de saúde do camarada inspira cuidados especiais. Aqui em Moscou, estou tentando administrar e deglutir as loucuras e os absurdos deixados de herança pelo Guia dos Povos. Exatamente - menos, é claro, do que Vladimir Putin -, quando o amigo junto com o povo, colocou para correr o então ditador Fulgêncio Batista.
Sabes que o nosso serviço de inteligência (KGB) já vinha te acompanhando mais amiúde, desde que, numa ação de guerrilha urbana, teu grupo atacou uma guarnição militar chamada de La Moncada. Foste preso e libertado, viajaste para o México - tomara não estar equivocado. Lá conhecestes um médico argentino, comunista, chamado Ernesto Guevara, conhecido como "Che", deves muito a ele, queria exportar a revolução, era um grande idealista.
Ao longo de tua vida, adotaste um lema: "A História me absolverá". Construíste uma lenda em torno de teu nome. Foste até as últimas consequências como forte opositor de um regime corrupto de uma pequena ilha, te tornaste um personagem da Guerra Fria e ícone da esquerda do mundo todo.
Falemos de ti ou do teu irmão Raúl Castro, 77 anos, também longevo, que só fala através de teus improvisos. Temos informações privilegiadas de que, diante das dificuldades e incertezas, os cubanos tentam perscrutar seus destinos nas declarações tão esperadas que ele fizesse da sacada da prefeitura de Santiago de Cuba, no leste da ilha, onde o companheiro anunciou a vitória da Revolução em 1º de janeiro de 1959.
Pois é, bravo companheiro, vez por outra, fico rindo à toa quando recordo o ano de 1961, quando declaraste Cuba nação socialista e permitiste que meu país instalasse mísseis na ilha. O mundo quase chegou à beira da guerra nuclear. A URSS recuou, lembra de Lênin: "recuar para ganhar tempo". Mas sei o quanto tens passado desde 1962, quando John F. Kennedy decidiu impor um embargo a Cuba.
Camarada, é bom ser humilde e reconhecer que a crise dos mísseis te projetou como um dos protagonistas da geopolítica mundial. Com o passar dos anos, foste alçado à condição de inimigo preferencial dos EUA, passaste a exercer enorme influência na América Latina, inclusive no Brasil. Foi para tua ilha que rumaram 15 presos políticos trocados pelo embaixador americano Charles Elbrick, sequestrado pela guerrilha brasileira, em dezembro de 1969. Foram recebidos por ti e presenteados com casa, comida e roupa lavada. E alguns, como o ex-deputado José Dirceu, por lá ficaram e receberam treinamento militar.
Fomos informados que, no final da primeira quinzena de março passado, Raúl Castro surpreendeu o mundo ao afastar dois de seus principais assessores, o chanceler Felipe Pérez Roque e o vice-presidente Carlos Lages. Aos demitidos, Fidel teria dito: "Se deixaram seduzir pelo mel do poder", que os levaram a cometer "atitudes indignas", ou seja, um complô contra os Castro. Também, se acredita que Hugo Chávez estaria ajudando os conspiradores, pedindo o apoio de outros países latino-americanos; esta é uma nova teoria, para o episódio, do ex- ministro das relações exteriores do México, Jorge Castañeda.
Castañeda admite que sua tese não passe de "especulação informada". A teoria é tão boa quanto qualquer outra, em se tratando da fechada política cubana, "e pelo menos tem a virtude de ser divertida". Pois é, companheiro, não achas estranho que Chávez não tenha se manifestado sobre o assunto?
Camarada, o inferno está nos detalhes ou em "momento lindo" como este: "Não há regime democrático em Cuba", constatou recentemente o ministro da Justiça, Tarso Genro. Que tal? Parece estar perdendo o senso da percepção. Para isso, é preciso mais que um ideário utópico da parte de quem discursa. Olho de lince, companheiro, após o término da Cúpula dos desiguais (a 5ª Cúpula das Américas).
Antes que me critiques, sou informado que esse prejuízo ronda a casa dos 92 bilhões de dólares desde 1962. Mas acho que te passam informações equivocadas, quando afirmam que o sistema econômico comunista penalizou mais a ilha do que as sanções americanas; o custo do embargo é provavelmente considerável. Tu sabes que há armadilhas no teu caminho, mas acredita: as piores são fabricadas em Washington, e não em Moscou. Não quero te julgar, mas, à medida que o julgamento se aproxima, isso fica cada vez mais difícil.
Despeço-me com as recomendações de todos os camaradas aqui do Kremlin, menos do Putin, o novo czar da Rússia capitalista, pragmática e presunçosa.

Nikita Kruschev

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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