domingo, 26 de abril de 2009

Do imaginário real


Todos opinam e muitos acreditam que estamos em recessão; outros já acham que a depressão já se instalou em muitos países. Faço parte desses últimos. O forte impacto da crise financeira mundial sobre os diversos tipos de atividades vem derrubando diariamente nas empresas e nas indústrias a taxa de empregos. A crise financeira que vem se instalando há vários meses vem gerando um aumento substancial do seguro-desemprego num crescente que lembra 1929, quando longas filas se formavam nas portas das indústrias e acampamentos em terrenos do estado davam a conotação da humilhação a que o povo fora vítima.
Como evitar essa próxima bolha? Combater a cultura da especulação e da ganância pode ajudar? No futuro, quando estudiosos da história financeira observarem o período referente aos últimos seis meses, terão dificuldades para explicar como foi possível um sistema tão adiantado sofrer uma derrota tão catastrófica. A resposta é muito elementar: os "poderosos e seus papeis podres" já vinham com suas ideias irracionais, fadadas ao fracasso e já estavam nesse caminho há vários anos. A crise não foi obra do acaso. Foi produto de ações humanas desonestas. Tudo era tido como Dinheiro Inteligente. Mas descobriu-se que era Dinheiro Burro.
Há vários culpados: falhas na regulamentação, oito anos de filosofia econômica republicana fracassada, democratas "amiguinhos" de Wall Street que ajudaram a impedir reformas, esforços bipartidários equivocados para incentivar a compra da casa própria, ganância, executivos-chefes corruptos e a incompetência dolorosa dos administradores de bancos centrais. O fim da era do Dinheiro Burro foi uma espécie de morte - a morte de dezenas e dezenas de instituições, milhares e milhares de carreiras, milhões e milhões de sonhos e muitos bilhões de dólares.
Enquanto nos digladiamos com o rescaldo, tentamos sobreviver ao luto que nos impuseram. O Japão paga a estrangeiros para deixar o país. O Japão está em recessão. A queda brusca nas exportações afetou principalmente os setores automotivo e eletroeletrônico. Fábricas foram fechadas. Milhares de dekasseguis, os trabalhadores imigrantes temporários, estão nas ruas, quase dez mil se inscrevem em agência de empregos desde o início do ano. As autoridades estão assustadas, tentam conter os danos e, como no resto do mundo, claro, dá prioridade aos nativos.
Provavelmente, a fim de conter um "desastre social", o governo de Tóquio começou a pagar para que dekasseguis brasileiros e peruanos deixem o país. O acordo funciona assim: o voluntário recebe 300 mil ienes, o equivalente a R$ 6.800, mais R$ 4.500 para cada membro da família que decidir voltar ao Brasil. Só pode participar o candidato que não tiver patrimônio no Japão e tiver desembarcado no país antes de 31 de março e obviamente quem aceitar a oferta perde, automaticamente, o visto de trabalho.
Falando em imigração, recentemente, quatro embarcações afundaram no Mar Mediterrâneo, antes de alcançar a costa italiana. Houve apenas 27 sobreviventes - estimar o número de mortos é impossível. Sabe-se que saíram da Líbia, lotados de imigrantes, a caminho da Europa. A tragédia ilumina um problema internacional que, à margem das decisões do G-20 (grupo em que na maioria dos encontros não produz nada, saia da retórica e mostre sinais reais de avanços), em Londres, cresce com a crise financeira e com uma outra, escondida, a dos alimentos.
Pelo menos 45 mil africanos desembarcaram na Espanha e na Itália no ano passado em busca de trabalho. Rotas alternativas - como a do Mediterrâneo - substituem outras mais seguras, como a que ligava o Marrocos às Ilhas Canárias ou a do estreito de Gibraltar, hoje fechadas, informa a Economist. As patrulhas também estão mais efetivas e acordos entre países europeus e norte-africanos possibilitam a detenção de candidatos a imigrantes ainda em continente africano.
Criar mais dificuldades apenas aumenta o círculo vicioso. Aos imigrantes não resta alternativa a não ser confiar nos traficantes. Pagam milhares de dólares pela passagem em barcos superlotados e sucateados dai, as tragédias. A crise não foi um acontecimento que caiu do céu. Foi produto de ações humanas que se mostraram altamente tóxicas e danosas. Pois é, durante um bom tempo estaremos pagando a conta desta faxina.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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