domingo, 2 de novembro de 2008

Traficados, explorados, mortos e invisíveis

No AMAZÔNIA:

Texto: AVELINA CASTRO E JAQUELINE ALMEIDA
Fotos: SHIRLEY PENAFORTE

A adolescente Carlos* não sabia ler ou escrever, mas aos 16 anos deu um salto na vida ao sair da casa onde morava com a mãe e as irmãs, no bairro do Marco, em Belém, para viver em São Paulo. Na maior cidade do País, acreditava, ganharia dinheiro, teria sucesso e o que mais desejava: um corpo feminino. A empreitada foi viabilizada por um travesti adulto, que 'emprestou' R$ 400,00 para a passagem de ônibus e alimentação nos 3.500 quilômetros que separam Belém de São Paulo.
O sonho acabou no dia 17 de junho deste ano, quando, após uma aplicação malsucedida de silicone nas coxas, Carlos não resistiu a uma infecção generalizada. Quando morreu era mais conhecido por um nome feminino e não tinha mais documentos - destruídos por uma cafetina. Para não ver o filho ser enterrado como indigente, a mãe, Ana*, vendeu a geladeira, o liquidificador e o aparelho de som para que a irmã mais velha fosse a São Paulo providenciar um enterro digno. 'Fiz de tudo para trazer o corpo, até pedi em gabinete de políticos, mas custava R$ 10 mil e não consegui', disse a mãe.
O resumo da vida de Carlos conta uma história tão comum quanto invisível no Brasil. Adolescentes homossexuais do sexo masculino estão sendo aliciados, escravizados, explorados sexualmente, roubados e, não raro, mortos por redes nacionais e internacionais de tráfico de pessoas. Os meninos são mortos em brigas de rua, baleados por clientes ou em aplicações improvisadas de silicone industrial, usado para 'criar' seios, coxas grossas e glúteos.
Belém é uma das capitais brasileiras que mais 'fornece' vítimas a essas quadrilhas - e de onde saem também a maioria dos aliciadores, cafetinas e intermediários. Não há estatísticas oficiais, mas nos últimos dois meses, a reportagem de O LIBERAL e do Amazônia comprovou que cidades como São Paulo (SP), Rio de Janeiro (RJ) e Anápolis (GO) estão lotadas de adolescentes paraenses sendo explorados sexualmente. Há informações de que Curitiba, no Paraná, também tem recebido jovens travestis paraenses.
Os primeiros contatos entre os meninos e as redes de tráfico acontecem quase que invariavelmente na rodovia BR-316, estrada federal que liga o Pará ao Nordeste do País, e nas transversais da avenida Almirante Barroso, uma das principais vias de acesso ao Centro de Belém. Nesses locais - lotados de meninos explorados sexualmente - não há um único adolescente que não tenha na agenda o nome e o telefone de um travesti adulto 'que leve para São Paulo'.
Foi na Almirante Barroso que Luiz*, então com 14 anos, descobriu como poderia ter um corpo feminino. No início do ano, incentivado por uma aliciadora, fez sua primeira investida na cidade de Anápolis (GO), onde se submeteu a aplicações de silicone industrial que lhe valeram um glúteo duas vezes maior do que o natural para um menino. Para chegar à cidade pediu carona na rodovia BR-010, a Belém-Brasília; para custear o 'tratamento' com silicone industrial fez programas sexuais todos os dias.

* Nome fictício para preservar a identidade dos adolescentes e suas famílias.

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