domingo, 2 de novembro de 2008

Depois de Berlim, Nova York


Felizmente, em todo o País, as eleições municipais caminharam dentro da normalidade. As evidências apontaram que a democracia ainda é a melhor forma de governo. Para lapidá-la em definitivo, o voto deve ser facultativo. É burrice tentar desorientar o eleitor. Lamentavelmente, existem candidatos que, com seus ataques descabidos, só conseguem flertar com a derrota. Parece que político é uma raça única - com raras exceções. Observem o exemplo do desesperado John McCain, que não consegue segurar seus pit bulls numa campanha que decidiu incitar o ódio popular.
No início da campanha, quando parecia absurdo um negro ter chance de disputar a presidência dos Estados Unidos, o maior medo com relação a Barack Obama era que um louco o matasse a tiros. Alguns eleitores não queriam que o senador democrata concorresse porque sua presença libertaria os demônios que assombram o País desde Abraham Lincoln e Martin Luther King.
Obama fora então posto sob proteção do Serviço Secreto. Isso em maio de 2007 - oito meses antes do início das primárias democratas. Durante a campanha eleitoral, o País se acostumou com a presença de Obama diante de platéias enormes, e o medo retrocedeu. Nos comícios do republicano McCain, aumentaram os gritos de "traidor", "terrorista" e "matem Obama". São sinais novos e alarmantes. Não fazer nada não é uma opção. Recentemente, a intolerância e o racismo voltaram à baila através de um grupo de americanos neonazistas que pretendiam matar mais de uma centena de negros, aí incluído Obama. Foram descobertos, presos, estando à disposição da Justiça.
Vale tudo na política. John McCain e Sarah Palin têm o direito de citar William Ayers mesmo que a ligação entre o radical americano e Obama seja mínima, mesmo que os atentados do grupo Ayers tenham acontecido quando Obama ainda era criança. Mas o que ocorre agora não é apenas o conhecido jogo de culpa por associação. O que provoca o ódio popular nos comícios republicanos é a violenta escalada retórica, principalmente de Sarah. Falando de "afago" nada elogioso, será que ela quer dizer que o terrorista chama-se Barack Hussein Obama? É muita infantilidade, Obama não pode ser responsabilizado pelo comportamento de Ayers 40 anos atrás.
Vejam o que espera o vencedor da campanha para presidente dos Estados Unidos. Gostaria que os tempos fossem outros. Passados 19 anos desde o fracasso do socialismo real, soçobra o capitalismo neoliberal. Convém escolher com extremo cuidado os vilões. Creio que a lista tenha de começar pelos grandes presbíteros da religião do deus mercado. Está na moda dizer que os economistas falharam sinistramente nas suas análises. Nem todos. Principalmente, depois de 18 anos de silêncio, com o recente mea culpa de Alan Greenspan.
A pobreza é globalizada. As bolsas dominam as manchetes. Os governos dos EUA e da Europa distribuem 5 trilhões de dólares dos contribuintes para um punhado de banqueiros trapalhões e torcem para que eles pensem em consertar os estragos resultantes de suas travessuras. Emprestar aos seus clientes e reativar a economia depois de embolsar seus bônus e gratificações milionárias.
Mas o aspecto mais desagradável dessa história é que ela já jogou no esquecimento a crise mais grave que afeta os desprivilegiados pela economia globalizada. Segundo o Banco Mundial, a elevação dos preços dos alimentos e dos combustíveis foram os responsáveis pelo aumento do número de desnutridos em todo mundo. A fome e a desigualdade pioraram durante a prosperidade das bolsas e podem piorar ainda mais na recessão.
Há os vigários e há quem caiu em seu conto. A crise pune os crédulos com ferocidade. Sabemos de antemão que muitos entre os vendedores de ilusão sairão incólumes da monumental enrascada. Como indivíduos, ao menos. E assim caminha a humanidade. Resta o fato, contudo: mais um muro ruiu. O outro muro. Wall em língua inglesa, idioma do império.
Quando o Muro de Berlim caiu debaixo das picaretadas libertadoras, há 19 anos, proclamou-se o fracasso do chamado socialismo real. Agora, cai o Wall nova-iorquino e se busca, em desespero, a reestruturação de um Estado forte depois da ola global das privatizações. Quem fracassa no caso? No mínimo, o capitalismo neoliberal. Na queda de Berlim, soçobra a URSS. E na queda de Nova York? O império de Tio Sam, descalço, exibe os pés de argila.
A liberdade sem igualdade tem valor escasso e limites escancarados. Quando, no caso do endeusamento do mercado, não se torna, automaticamente, fator decisivo da desigualdade. Em detrimento do gênero humano em peso. A lição nunca foi tão atual. Ah, vou dar meu pitaco: Obama será o presidente dos Estados Unidos.

Sergio Barra é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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