sábado, 8 de novembro de 2008

Anistia: justiça ou vingança?

Alarga-se a polêmica sobre a aplicação da Lei da Anistia, cuja interpretação gerou duas correntes: a primeira, deduz que teria sido ampla, geral e irrestrita; e a segunda, cogita que os crimes políticos praticados durante a ditadura militar (1964-1985) foram perdoados, sem alcançar, no entanto, a prática da tortura, que é delito comum.
Há três ações no Supremo Tribunal Federal (STF), cujo julgamento ditará a interpretação definitiva sobre a abrangência da lei em questão.
A anistia exclui o crime e apaga suas conseqüências penais. Tem caráter retroativo e é irrevogável. Pode ser declarada após a condenação transitada em julgado. Não é por menos que nosso Código Penal a consagra causa extintiva da punibilidade (artigo 107, II, primeira parte).
Na lição de Giussep Maggiore, "uma das mais antigas formas de extinção da pretensão punitiva é a indulgência do príncipe, que se justifica como medida equitativa endereçada a suavizar a aspereza da justiça, quando particulares circunstâncias políticas, econômicas e sociais, fariam esse rigor aberrante e iníquo".
Há delitos insuscetíveis de anistia (CF - art. 5º, LXIII), a exemplo dos hediondos, da prática de tortura, do tráfico ilícito de entorpecentes e drogas afins e do terrorismo.
A principal norma brasileira sobre anistia é a Lei nº 6.683, de 28/8/79. Foi concedida a todos os que, entre 2 de setembro de 1961 e 15 de agosto de 1979, cometeram crimes políticos ou conexos com estes e crimes eleitorais. Para seus efeitos, consideram-se conexos os delitos de qualquer natureza relacionados com crimes políticos ou praticados por motivação política. A lei excetuou dos benefícios da anistia os que foram condenados pela prática dos crimes de terrorismo, de assalto, de seqüestro e de atentado pessoal.
Parece que a norma não se referiu ao delito de tortura ou, se o fez, tratou-o como um crime conexo.
A Constituição Federal dispõe que constitui crime imprescritível a ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático e ainda considera insuscetíveis de anistia a prática da tortura e do terrorismo.
Para tratar a matéria, o governo federal, sabe-se lá com que intuito, despeja propaganda e contra-propaganda a respeito do tema. Parece que o ministro da Justiça, Tarso Genro, considera imprescritível a prática da tortura e o ministro da Defesa, Nelson Jobim, não.
O STF, dada a sua atual composição, provavelmente não se igualará aos adeptos do direito penal do inimigo, doutrina segundo a qual o Estado deve reconhecer duas espécies de seres humanos: as pessoas e os inimigos, estes a merecer tratamento jurídico penal diferenciado.
Acreditamos que a melhor interpretação para a lei de anistia será a que der aos autores das condutas de tortura o direito de não serem julgados pelos homens.
Pode ser que nossa opinião não preste obséquio aos desaparecidos ou aos seus familiares, para quem, desde já, pedimos compreensão. Entretanto, registro que meu avô materno teve também violentado o seu direito de permanecer como deputado estadual eleito, pois foi cassado em 1967.
Há uma lei federal brasileira que determina a reparação das injustiças sofridas pelas vítimas da ditadura. É certo que o dinheiro não é tudo. Todavia, achamos que esta foi a melhor forma que os governos encontraram para dar satisfação aos interesses de seus nacionais - e ao mundo - de como tratar a matéria.
Aprendemos com o Direito Penal que a pena é um instrumento excepcional e subsidiário de controle social, que visa proteger bens considerados essenciais à vida em sociedade. Portanto, lembre-se: a sanção que não assume contornos de prevenção geral - e sim individual - transparece a idéia de retribuição, o que nos afasta da idéia de justiça e nos aproxima do sentimento de vingança.

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ROBERTO DA PAIXÃO JÚNIOR é bacharel em Direito
roberto.jr@orm.com.br

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