quinta-feira, 29 de outubro de 2009
Aliança com Judas
O presidente Lula costuma falar demais. E, como a fala é o pensamento caminhando fora da nossa cabeça, esse exercício demasiado tem gerado uma multidão de palavras trôpegas. Foi assim numa recente entrevista. Lula afirmou que, se Jesus Cristo governasse, e Judas tivesse a votação em certo partido, Jesus teria de chamar Judas para compor uma aliança. Palavras trôpegas, por certo, mas um excelente retrato do grau de impureza que nos cerca.
Em termos políticos, não é novidade. Não existe ideologia partidária pura. Para o cientista italiano Antonio Gramsci, que viveu entre 1891 e 1937, todos os partidos buscam o poder. Por isso pregam, abraçam eleitores e vão às urnas. O discurso de promessas e o abraço são apenas ferramentas eleitorais. Eis a razão por que desaparecem quando os assentos do poder estão novamente ocupados. Mas, passada a meia-noite dos mandatos, voltam à cena num crescente. Voltam em seres sorridentes, que batem de porta em porta, carregam crianças no colo, beijam idosos e abraçam meninos descalços nas favelas.
Alianças políticas são necessárias quando um grupo conclui que não pode mandar sozinho. Então o cofre público será aberto a duas mãos, a três, a quantas necessárias para que certas personagens não abandonem as primeiras linhas do conto. Continuarão protagonistas, ainda que mordam os beiços de ódio quando esboçarem um sorriso protocolar.
Judas cabe bem no exemplo de Lula. Jesus, não. O apóstolo faria sempre alianças. Ele guardava o cofre. Sabia o gosto do poder. Cristo não se importava com esses assuntos. Se a moeda era de César, deveria retornar ao império. Se a vida, salvação e eternidade provém de Deus, a Ele somente a glória. A cartilha de ética de Jesus rezava: "Jamais misturar religião com política. Deixar César pensar que governa e pregar o Evangelho do Reino dos Céus". Foi por isso que Ele foi morto.
Nesse aspecto, acho de todo lamentável a intromissão de pastores na vida política. Não dá certo. A propósito, recentemente Dilma Rousseff esteve na Assembleia de Deus de São Paulo, discursando no aniversário do pastor José Wellington Bezerra da Costa, líder da Convenção Geral (CGADB). Ali recebeu apoio de parlamentares evangélicos. Interessante é que a senadora Marina Silva, provável candidata à presidência, é membro da Assembleia de Deus no Acre. Pelo visto, há disposição também entre alguns evangélicos de fazer aliança com Judas. Alguns judas podem ganhar a eleição(!). Cai por terra a velha tese da necessidade de defensores da religião na esfera política. Há abertura para celebrar pacto com que aparecer. Com quem aparecer, repito. Isso nunca foi nem será Evangelho.
Estarrecido, li domingo em O LIBERAL que certo pastor no estado do Pará, numa demonstração de sua força, quer eleger cinco deputados federais e três estaduais. "Oh, meu Deus! Levante pastores para pregar o Evangelho!" - foi minha oração angustiosa. Realmente, dói na alma ver quanta gente equivocada, lutando em causa própria, fazendo alianças por um punhado de poder terreno. A Deus, o que é de Deus.
O que aguarda os aliados de Judas? Na política estatal, um arranjo que garanta o mínimo de governabilidade. É o que dizem. Na verdade, aguarda a influência, um espaço para novas mãos na porta do cofre público. Aguarda a possibilidade de distribuir esses favores a parentes e aderentes. E aos clérigos metidos nisso? Aguarda a prestação de contas por intrometer-se em assuntos de César. Aguarda o suicídio espiritual. Chega de aliança com Judas!
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RUI RAIOL é pastor e escritor
Mais artigos: www.ruiraiol.com.br
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2 comentários:
De novo esse debate? Então,vamos lá ao pastor também:
Lula, sem querer fez um resgate histórico da figura de Judas, o Iscariote. Na juventude, Jesus e Judas foram mais que aliados, eram amigos e partilhavam da necessidade de mudar o quadro político-religioso de sua época, porém sob trilhas diversas. Jesus - Ieshuá - pela forte influência essênica do primo João, o Batista, referia-se a uma reforma moral do povo judeu que não passava necessariamente em derrubar o Estado Romano, mas de alterar as leis e os profetas. Judas, por ser zelota - ou zelote para alguns, defendia o caminho histórico do messianismo judaico com suas dimensões políticas e teleológicas. Judas sempre foi a consciência crítica de Jesus, e por isso, acreditava na promessa messiânica da redenção, o que explica sua suposta traição. Esse tipo de coisa, os bispos da CNBB - e alguns partores - conhecem, mas preferem reproduzir o senso comum cultuado pela tradição católica. Lastimável. Parabéns ao Lula. Até atirando no escuro, acerta.
Cássio,
Vc me parece bem equivocado a respeito da missão de Jesus. Ele sempre proclamou que seu reino não era deste mundo. A revolução moral que ele pregava é a revolução do Evangelho, que encontra campo ainda hoje em corações que se rendam aos ensinamentos do Mestre.
Sobre a Lei e os profetas, Jesus também nunca quis mudar nada. Disse que veio para "cumprir" a Lei.
Por outro lado, não há equívoco quando pastor o Rui Raiol comenta essa história de aliança com Judas. Não há omissão proposital. Acredito, assim como o pastor, penso, que a Bíblia é o documento principal da Igreja. Outros textos e a chamada tradição são desconsideradas.
Só mesmo quem não compreende que a missão de Jesus é do céu e espiritual, pode pensar que Jesus faria acordos com Judas.
Infelizmente, pessoas como você parecem abertas também a fazer alianças com traidores e corruptos. Vc poderia fazer. Jesus, jamais. Ele é santo e Filho de Deus.
Se Jesus faria alianças com Judas, então faria também com o diabo. Jesus disse que o traidor era o diabo.
Pense bem!
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