domingo, 10 de maio de 2009

O mundo de Susan Boyle


Não se trata aqui de criar uma linguagem viva e transparente e nem dos principais capítulos da história do pensamento ocidental. Não vamos participar de sobrevoos filosóficos. Não se trata de qualquer recurso capaz de tornar uma tese abstrata. Não se trata de abrir algum presente. Nem de viajar pelo O mundo de Sofia e revelar os segredos da história da filosofia. Trata-se do pequeno mundo de Susan Boyle, um ser humano simples, que não teve o glamour ou o romantismo que outras pessoas normais tiveram. Um sucesso sem fim na rede mundial. Uma cantora que se tornou uma grande mania entre os internautas. A vida de uma escocesa que virou estrela quando estava a apenas cinco minutos de sua casa.
Caçula de nove filhos, Susan Boyle cuidou da mãe até a morte dela, dois anos atrás, aos 91 anos. Ela nunca teve um namorado, nunca foi beijada e seus amigos mais íntimos descrevem-na como tímida e cheia de tiques. Dizem ainda que ela nunca teve emprego e que sofreu uma leve defasagem de aprendizado - déficit cognitivo -, resultado de uma provável anoxia fetal durante a parturição. Susan mencionou em entrevistas que as crianças da escola faziam piadas com ela, à mulher que vive sozinha com seu gato de estimação.
Muito antes da chegada da fama, dos caminhões da Imprensa e dos fãs exaltados, Susan caminhava por seu pequeno mundo em cinco minutos. A dona de casa escocesa nunca tirou carteira de motorista. Nunca precisou do documento no pequeno vilarejo de Blackburn, localizado no oeste da Escócia, onde mora desde que nasceu há 48 anos.
Susan costumava sair do portão enferrujado da casa alugada para ir ao mercado e à igreja. Bastam alguns passos até o pub do Hotel Happy Valley, um salão animado onde ela passou várias noites sozinha, bebericando limonada na mesa ao lado do alvo de dardos, esperando a vez no karaokê.

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“Agora que Susan ficou famosa, tem até assessor de imprensa de nariz empinado contratado pelo programa de TV, que fica de guarda ao seu lado, tentando controlar as imagens que alimentam a boylemania, assim como os cofres do programa, que não para de se encher.”
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As pessoas que ali frequentavam já estavam acostumadas a vê-la quase todos os dias, até que essa rotina foi quebrada no início da segunda quinzena de abril - uma eternidade na era digital -, antes que Susan Boyle subisse ao palco que revelava a melhor performance no show de talentos e cantasse I Dreamed a dream, do musical Os Miseráveis. Desde então, a mulher apelidada de a "Cantora Solteirona" pelos tablóides ingleses tornou-se a estrela mais quente da internet. Em 15 dias, o vídeo com sua apresentação fora visto por mais de 190 milhões de cliques no YouTube. A marca é bem impressionante: já é o quinto mais acessado do planeta.
Como Susan não tem computador, perdeu um pouco desse frenesi. Agora que Susan ficou famosa, tem até assessor de imprensa de nariz empinado contratado pelo programa de TV, que fica de guarda ao seu lado, tentando controlar as imagens que alimentam a boylemania, assim como os cofres do programa, que não para de se encher. Ela conversou com Larry King e Diane Sawer, os reis de talk-shows televisivos - semelhante aqui ao do nosso Jô Soares - dos Estados Unidos, e em incontáveis jornais e artigos na internet, o que impulsionou o número de pessoas que visualizaram seu vídeo.
Susan ainda mora em sua cidade natal, mas a fama não a deixa visitar amigos e locais preferidos, como o pub que sempre costumava frequentar. Já recebeu propostas para estrelar filmes - inclusive filme pornô - e contratos de gravação. Paparazzis ofereceram a ela US$ 3 mil por uma simples foto. Estilistas querem cobri-la de vestidos - desde que, é claro, ela mencione o nome deles.
Até a famosa Elaine Paige, lendária estrela britânica dos musicais londrinos, citada por Susan como seu ídolo, deu sua contribuição dizendo a BBC que talvez ela e Susan devessem gravar um dueto. Paige descreveu a cantora escocesa como um modelo para todo mundo que tem um sonho.
John Boyle, irmão de Susan, continua sem entender todo o estardalhaço enquanto bebia uma caneca de cerveja no Happy Valley. Em um aceno àqueles dias em tom de sépia, quando a comunicação ocorria sem um @, a antiquada correspondência vem chegando numa torrente cada vez maior, algumas cartas endereçadas apenas a Susan Boyle, Escócia.
Os 5 mil habitantes de Blackburn continuam falando sobre Susan, a maior coisa a acontecer ali desde a descoberta das minas de carvão. No clube de boliche, onde a interpretação de Susan derrotou sete competidores em um concurso anual de canto local no verão passado, havia certa angústia. Como conseguirá entregar o troféu para o próximo vencedor, se a gente só consegue acomodar 100 pessoas. A fama pode causar tumulto. Mas Susan "é uma senhora normal bem pé no chão. Não tem boa aparência, mas Deus lhe deu uma voz maravilhosa", disse um frequentador do clube.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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