Do engenheiro Nelson Tembra:
Os jornais de sábado, 25 de abril, trazem a notícia: ‘Eclusa 2 de Tucuruí está tomada por manifestantes’. Os ‘invasores’ pertencem a vários movimentos e têm extensa pauta de negociação buscando solução para impactos ambientais.
A reportagem informa que o Movimento dos Atingidos por Barragens adotou nova postura nos últimos dois anos, unindo forças nas reivindicações com o MST, FETRAF e outros movimentos. A extensa pauta une bandeiras de todos os grupos envolvidos na ocupação.
Dentre as queixas dos movimentos sociais na área de influência do lago de Tucuruí estão os impactos sofridos devido às atividades de extração madeireira, carvão vegetal e exploração de latifúndios, ou seja, os impactos secundários da colonização espontânea resultantes da construção.
As lideranças questionam a morosidade no pagamento de indenizações de famílias atingidas pela construção das eclusas e indefinição da prefeitura do município sobre o terreno para construção de 300 casas populares e uma feira na área onde será formado o lago das eclusas.
Este tipo de manifestação tende a se perpetuar e ser agravada enquanto o governo não zelar pela correta e eficiente aplicação das regras relativas ao licenciamento ambiental desses empreendimentos altamente impactantes, especialmente quanto aos aspectos sociais e econômicos.
Não estamos ‘requentando’ a matéria. O problema e as suas causas é que têm sido recorrentes, têm acontecido sem parar, se repetindo sucessivas vezes em situações distintas, atravessando a própria história do Brasil e os governos de diferentes colorações partidárias ao longo do tempo e sempre envolvendo mega-projetos infra-estruturais e de exploração dos recursos naturais, sejam eles renováveis ou não.
É através dos instrumentos de controle, ou projetos ambientais, segundo a legislação, que devem ser previstas e definidas todas as medidas e ações. E não somente as de compensação, mas também as de mitigação de impactos negativos e de incremento dos impactos positivos, definindo-se principalmente as de natureza socioeconômica e ambiental.
No Pará, o que tem acontecido é que nem o Coema, que tem ampla representação da sociedade civil, e nem a própria população, nas audiências públicas que antecedem à conclusão dos estudos, têm tirado proveito dessas disposições da lei.
Depois, sejam brancos ou índios, quando buscam compensações, o que buscam na verdade são direitos inexistentes, pois fora dos parâmetros que expressamente condicionam o licenciamento ambiental, toda e qualquer ação da empresa é considerada “voluntária” e “de livre iniciativa”. O estado acaba ficando sem os instrumentos legais de cobrança, quando poderia vincular a renovação e expedição de licenças ao cumprimento de justas compensações.
A democracia participativa deveria garantir seu espaço e estimular a democracia formal a ampliar a influência da sociedade civil nas decisões de governo. Essa dinâmica deveria alterar o próprio significado de “governar”. Surgiria uma nova perspectiva de tomada de decisão em que os atores “não-governamentais” passariam a dividir responsabilidades com os gestores públicos, tomando parte efetiva no espaço público.
Quem empreende esforços na difícil tarefa de consolidar a democracia participativa depara-se com o desafio de conciliar a eficácia das decisões com a ética democrática. Para tanto, deveria contar-se com a vontade política dos governantes de ceder parte do poder e seria esperada dos agentes desses espaços de participação a capacidade de aperfeiçoar ao máximo. O desafio seria tanto o de conquistar o espaço de participação efetiva, como o de consolidar os modelos de co-gestão participativa e sustentável, quando esses espaços públicos fossem apropriados pela população. O exercício da democracia participativa exige, porém, esforços coletivos constantes de todos, sociedade e governo.
Além de mais complexas, as decisões participativas exigem muito mais trabalho em reuniões, negociações e organização de processos do que as decisões centralizadas e sem participação. Logo, seria importante que não se desperdiçasse o tempo e a energia dos participantes nessas reuniões.
Os problemas se refletem na postura de cada indivíduo nas audiências públicas. Daí costuma surgir obstáculos para o êxito da reunião em função da atuação dos participantes. Diferentes pontos de vista, interesses e objetivos podem entrar em choque e agravar a situação se as questões inerentes ao processo não forem esclarecidas ou negociadas. Diferenças de formação, de experiência prévia e de papel institucional de cada participante estabelecem essa desigualdade. A herança de uma cultura política clientelista, personalista e autoritarista compromete a qualidade e a ética da participação.
Tudo isso acaba alimentando alguns “jogos de poder” que podem ter nenhuma, pouca ou muita relevância para o processo decisório. O problema fica mais sério quando esses jogos se sobrepõem aos objetivos, não só de cada encontro ou audiência pública, mas do processo participativo em geral. Com o passar do tempo, o participante de boa fé começa a ficar descrente do processo e logo acaba se retirando, frustrado pela sensação de exclusão e por estar em um espaço em que reina apenas a disputa do poder. A falta de ética e de eficácia traz o de esvaziamento do processo, tanto em quantidade como em qualidade.
É algo que exige esforço de abertura em relação ao outro, capacidade de negociação, tolerância, paciência, agilidade e disciplina, entre outros requisitos. Os grandes perigos de uma reunião participativa são os mecanismos autoritários, típicos de uma cultura política antidemocrática, reproduzidos em maior ou menor escala pelos participantes, por hábito ou intencionalmente. É importante saber identificar esses mecanismos e agir para que os participantes os compreendam e para que o grupo possa substituí-los por alternativas democráticas, contrárias da indiferença, da cena oculta, da disputa retórica, da desfocalização, da generalização de discurso, da teoria da conspiração ou síndrome da perseguição.
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