terça-feira, 2 de junho de 2009

Avião estava perto de tempestade ao fazer último contato

Na FOLHA DE S.PAULO:

Como em quase todo acidente aéreo, um conjunto de fatores pode ter contribuído para o desaparecimento do Airbus-330 da Air France. Mas todo elenco de especulações com as parcas informações disponíveis até ontem inclui a tempestade na rota do voo AF 447, levantando dúvidas adicionais.
Até aqui, só há dois dados objetivos sobre o raro incidente -só 6% dos acidentes ocorrem na fase de cruzeiro, como foi o caso. Os pilotos fizeram o último contato por rádio com o controle brasileiro em Fernando de Noronha às 22h33, avisando que iam na rota UN873 até o ponto virtual de Tasil, que marca a fronteira entre a jurisdição brasileira e a senegalesa naquele trecho do Atlântico.
Ele deveria chegar ao ponto virtual às 23h20, se despedir do controle brasileiro e informar sua posição ao Senegal. O contato por radar havia sido perdido às 22h48, o normal na área.
Aí entra o segundo dado. Pouco antes de atingir o ponto Tasil, às 23h14, o Airbus enviou mensagem automática de computador para a empresa, indicando perda de pressão na cabine e falha elétrica. Segundo informações do corpo diplomático em Paris, houve uma sequência de mensagens automáticas disparadas pela aeronave.
Como a região presumida do acidente estava com uma grande tempestade em curso, surge aqui a lógica de indicá-la como responsável pelo problema do avião. Mas isso é puramente especulativo, até porque não se sabe se o piloto a enfrentou.
Os dois motores teriam de ter passado por uma falha, atingidos por granizo ou chuva forte, gerando perda elétrica. Nesse caso, uma pequena hélice desce junto ao trem de pouso frontal para gerar energia de emergência para controlar o avião, mas ela poderia ter sido arrancada pela tempestade.
Especialistas como Roberto Peterka, que foi investigador do antigo Departamento de Aviação Civil, acham a hipótese improvável devido à redundância de sistemas elétricos no avião.
Como ainda foi relatada pelo computador a perda de pressão, há a possibilidade de a tempestade ou outro fator ter causado algum dano. Nesse caso, uma rajada de granizo dentro de uma nuvem poderia estilhaçar o parabrisa, com a descompressão matando os pilotos. Poderia atingir asas ou o sistema hidráulico que as controla.
Essa descompressão também poderia ocorrer numa explosão, na hipótese de um atentado, que abrisse um buraco na fuselagem. Mas aí os pilotos teriam soltado um chamado de socorro, o que não ocorreu. Já uma explosão descomunal é improvável porque o computador não teria tido tempo de enviar a mensagem.
Voltando à tempestade, raios de alta potência poderiam causar tal dano à fuselagem, à cabine ou a uma das asas. Nesse caso, como elas têm partes feitas de materiais como fibra de carbono, que são mais sensíveis, os danos podem ser maiores. Eles podem também atingir o sistema elétrico do aparelho, "enlouquecendo" os computadores que controlam o avião.
Ainda no campo das especulações, um contêiner pode ter se desprendido no porão de carga devido a uma turbulência violenta e atingido a porta, causando danos à fuselagem.
Especialistas questionam, contudo, a importância da tempestade no acidente -até porque não se sabe se o AF 447 a enfrentou diretamente. Segundo a Aeronáutica, não houve relatos de incidentes com outros aviões ontem. A Lufthansa, por exemplo, disse que dois de seus aviões que passaram pela área não tiveram problemas.
A Aeronáutica publicou quatro alertas sobre a tempestade em sua rede de meteorologia na internet entre 18h e meia-noite do domingo. Os dois últimos avisos, entre 21h e 23h, citavam que o topo da tempestade se encontrava entre 37 mil pés e 38 mil pés (entre 11,3 km e 11,6 km). O avião, que decolara às 19h29, entrou em sua zona por volta das 23h com o último registro no radar brasileiro de altitude de 35 mil pés (10,7 km).
Em tese, "dentro" da tempestade ou em uma área de influência, mas não se sabe se o piloto alterou seu curso. Ele poderia ter subido e ser obrigado a descer devido a uma despressurização, entrando no redemoinho das nuvens.
O planejamento de rotas inclui as condições do tempo. Até porque, para desconforto dos que se apegam ao ditado de que "turbulência não derruba avião", zonas coalhadas com os chamados CBs (sigla para nuvens gigantescas em cujo interior ocorrem violentos fenômenos atmosféricos) são evitadas sempre que possível.
Além disso, o radar do avião figura entre os mais modernos no mundo. Detecta tempestades a quase 500 km de distância, diz o diretor de segurança de voo do sindicato dos aeronautas, Carlos Camacho.
Exceto por uma falha total do radar, que seria em tese informada, dificilmente ele não identificaria algo à sua frente. Para o ex-controlador de voo Jorge Barros, talvez a somatória de um defeito de radar, plano de voo incompleto ou até "excesso de confiança" dos pilotos pode explicar o incidente.
Entra então o fator humano. Radares modernos fazem o rastreamento automático de nuvens. Só que pilotos reclamam que essa função só registra tempestades mais fortes. Então, durante subidas de nível, eles muitas vezes mudam para o modo manual. Ocorre que um piloto pode esquecer o radar no manual. Assim, a antena fica em posição para localizar tempestades na subida, mas inadequada para voos nivelados
Será necessária a difícil descoberta das caixas-pretas do avião para elucidar o acidente.

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