sábado, 28 de novembro de 2009

Animais escravos


É de causar dó o estado em que vivem muitos animais de carga nas cidades. Trabalhando de sol a sol, muitas dessas pobres criaturas se arrastam. Doentes, dividindo espaço num trânsito caótico, tais animais são surrados e submetidos a todo tipo de tortura. Lei existe para protegê-los. Porém, quem fiscaliza? Quem fala por eles?
A exploração de animais para o trabalho remonta à Antiguidade. O costume está ligado a um período que antecede ao desenvolvimento das condições humanas. Antecede à invenção da roda. Mas sobreviveu à Revolução Industrial e às viagens espaciais tripuladas. E sobrevive hoje no mundo globalizado da internet.
Desde cedo, o homem observou que certas espécies animais, pela sua robustez, poderiam ser aproveitadas para o trabalho. Então foram domadas e receberam o encargo de transportar fardos a longas distâncias. No meio rural, onde a história começou, as condições de vida desses animais ainda tinham algo de racionalidade. Havia pastos naturais, riachos, arvoredos para se refugiar do Sol. Todavia, à medida que as cidades foram se estabelecendo como grandes centros populacionais, o bem-estar dessas criaturas servis foi se complicando.
Hoje, por falta de uma lei que proíba a utilização de animais de carga em áreas urbanas, a situação chegou ao mais elevado grau de perversidade. É preciso mudar esse estado de coisas. Nada justifica submeter pobres seres a terrível escravidão. Há séculos, temos máquinas que podem fazer esse trabalho. Libertemos os animais.
Cada dia, é uma tortura para mim. Em minhas caminhadas matinais pelas ruas de Belém, muitas vezes fecho os olhos para não colher a dor desses animais. Mas nem sempre consigo deixar de me envolver. Não faz tempo, presenciei uma cena dramática.

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“Em minhas caminhadas matinais pelas ruas de Belém, muitas vezes fecho os olhos para não colher a dor desses animais. Mas nem sempre consigo deixar de me envolver.”
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Um carroceiro queria que um cavalo desse ré para despejar uma carrada de aterro dentro do pátio de uma casa. Mas havia uma vala, uma calçada alta e ainda uma árvore no meio do caminho. Pelas dificuldades, o pobre animal, surrado sem piedade, caiu violentamente ao tentar andar para trás.
Não deu para resistir. Parei o carro e fui conversar com aquele homem. Perguntei se ele pensava estar conduzindo uma máquina. Se não tinha alma para apiedar-se daquele ser que o ajudava a sobreviver. O pobre animal, caído, debatia-se debaixo de uma carroça carregada.
Infelizmente, há até cristãos que maltratam animais. Não conseguem compreender que todos os seres são obras do Criador. E, portanto, quando fustigam essas criaturas, ofendem ao mesmo Deus, cultuado com flores e cânticos nos templos e nas ruas. Não. Deus não pode se agradar de um homem, considerado racional e superior, que vilipendia seres indefesos, criados por Ele.
É chegado o tempo de os legisladores proibirem a utilização de animais para transporte de cargas. Pelo menos nas cidades. E não estou falando somente pela fluência do trânsito para humanos. Estou falando mesmo pelos animais, que merecem ser livres. Que merecem usufruir um pouco do propalado estado de civilização a que chegamos (?). É tempo de acabarmos com a escravidão desses animais de carga.
Louvável a atitude da Universidade Federal Rural da Amazônia, ao instituir um curso para carroceiros. Mesmo assim, trata-se de um paliativo aos maus-tratos. Melhor erradicar esse câncer de nossa sociedade. Por uma questão de justiça social, permitamos que animais de carga ainda trabalhem nas zonas rurais. Mas obriguemos o comércio de materiais de construção e outros usuários das cidades a disporem de serviço de entrega mecanizado. Precisamos libertar esses animais escravos.

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RUI RAIOL é pastor e escritor (www.ruiraiol.com.br)

2 comentários:

Anônimo disse...

Muito obrigada por essa postagem. Realmente a situação de violência cotidiana em que vivem os animais de carga em nossa cidade revela a brutalidade de nossa sociedade cada vez mais desumana e insensível para com a defesa da vida em todos os reinos.
É tão cotidiana essa violência que o absurdo vai se transformando 'normalidade'.
Mas nenhuma violência pode ser acolhida como normal. Nenhuma mesmo.

Anônimo disse...

Poster, peço licença para fazer um comentário sobre o artigo, iniciando com algumas indagações.

Alguém parou para examinar as razões pelas quais o homem bateu no animal?

Alguém parou para oferecer ao homem um alívio para curar os infortúnios que a vida lhe reservou?

Quais os verdadeiros motivos que o fizeram tratar o aninal da maneira como descrita no artigo?

Não? Então por que compadecer-se apenas do animal, esquecendo-se do ser humano, o carroceiro?

Será que somos egoístas em pensar que há quem deseje sustentar a si e a sua família com esse trabalho, sem que antes a necessidade tenha batido sua porta?

Ou será que teria prazer em bater no animal que lhe dá o próprio sustento? Não! Faz isso por ignorância (no bom sentido da palavra, é claro).

Dia desses vi uma carroça sendo puxada por um cavalvo velho e dirigida por um senhor idoso e ao seu lado uma criança. Fiquei, sinceramente, compadecido. Senti que ali estavam um homem e uma criança sofredoras. Também percebi que ali poderiam estar eu e meu neto, afinal não sabemos o que a vida nos reserva, não é mesmo?

É triste, muito triste mesmo, saber que existem pessoas que precisam sobreviver puxando carroça.

O artigo está certo quando diz que a lei precisa amparar os animais, mas eu não estou errado quando indago o porquê do compadecimento apenas do animal, esquecendo-se do ser humano. O artigo nesse ponto está, no mínimo, incompleto.

Maltratar animais, nunca!
Esquecer do Homem, jamais!

Afirmo que esse homem foi abandonado pela sociedade, cujo fato o fez bater no animal em nome da sobrevivência. Agiu, pois, em estado de necessidade e de erro causado pela ignorância.

Pensando mais: faz com o animal o que a sociedade faz com ele.

De qualquer modo, como haverá quem discorde disso, faço a seguinte indagação, ainda que para alguns matajuríca: será que o Todo Poderoso nos julgará pelas nossas ações ou pelas nossas intenções?

Espero que seja pelas intenções.

Todavia, quem sabe algum vereador, deputado ou governante local leia o artigo e o comentário e decida por criar um projeto social que motive essas pessoas a aprender a ler, a dirigir e a lhes fornecer um veículo para que continuem fazendo seus fretes de maneira menos humilhante. Tomara!

Abraços!