O bispo do Xingu, dom Erwin Krautler (na foto), mandou uma carta ao presidente do Ibama, Roberto Messias Franco.
Deplora que tenham sido realizadas apenas quatro audiências para discutir os impactos decorrentes da construção da hidrelétrica de Belo Monte.
Acha que seriam necessárias pelo menos 17 audiências públicas complementares, para que o governo tenha condições de ouvir todos os segmentos populacionais que serão diretamente afetados pelo empreendimento.
“Na realidade, grande parte do povo que será atingido e impactado, se o projeto realmente for executado, ou não estava presente nas reuniões ou não conseguia manifestar-se. A maior parte do povo que será atingido vive muito distante da cidade”, afirma o bispo.
Leiam a carta, a seguir.
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Excelência,
Senhor Presidente do IBAMA,
Caríssimo irmão,
Lembro vivamente a nossa viagem em 14 de setembro p.p. na Meta, de Altamira a Belém, quando estávamos sentados um ao lado do outro e, de repente, nos demos conta da função e do ministério que cada um exerce. V. Excia. ainda gentilmente me apresentou a advogada do Ibama, Dra. Andrea.
Depois daquela viagem, pensei entrar em contato com V. Excia. e marcar, se fosse possível, uma audiência para, à viva voz e olho no olho, tratarmos de assuntos que me preocupam imensamente em relação ao planejado AHE Belo Monte. O que me causa até insônias é a afirmação de V. Excia., veiculada pela imprensa, segundo a qual as quatro audiências públicas realizadas no Xingu e em Belém seriam consideradas suficientes para que a sociedade pudesse avaliar as consequências da obra planejada.
Peço vênia para divergir do posicionamento de V. Excia. Estou totalmente convicto de que a população do Xingu, que eu conheço muito bem, não teve nestas quatro audiências nem suficiente oportunidade de avaliar o projeto no que concerne às consequências irreversíveis nem o espaço necessário para manifestar seu ponto de vista. Tenho a impressão de que as audiências não passaram de mera formalidade. Na realidade, grande parte do povo que será atingido e impactado, se o projeto realmente for executado, ou não estava presente nas reuniões ou não conseguia manifestar-se. A maior parte do povo que será atingido vive muito distante da cidade.
Não seria mais humano ir até os lugares, por exemplo à Volta Grande, onde este povo vive e trabalha e onde realmente vai sofrer os tremendos impactos que modificarão toda a sua vida e a de suas famílias?
Não seria mais humano ir às aldeias para simplesmente ouvir o que os indígenas hão de dizer sem subjugá-los logo com uma ladainha já conhecida, mas até hoje não comprovada, de benefícios que o projeto vai trazer?
Não seria mais humano ir até às vicinais da Rodovia Transamazônica para encontrar-se com o povo da roça e ficar atento aos seus anseios e medos quanto à implementação de um projeto dessa magnitude?
Não seria mais humano ir para os bairros de Altamira que serão alagados para encontrar-se com o povo que está apavorado, pois seu futuro e o futuro de seus filhos está em jogo?
Não seria mais humano ir também aos municípios de Senador José Porfírio e Porto de Moz para ouvir o que a população, à jusante do rio Xingu, tem a dizer a respeito desse projeto que, em grande parte, secará seus rios?
Parece-me que até esta data somente as considerações e análises do setor energético do Governo estão sendo levadas em conta e pesam. No entanto há cientistas de renome nacional e internacional, estudiosos e peritos que se manifestam diametralmente opostos às ponderações daquele setor e comprovam cientificamente a inviabilidade socioambiental e até financeira do projeto. Os representantes do Governo, numa reunião realizada na casa da Prelazia em Altamira, até admitiram que os problemas não se situam na dimensão técnica, mas na dimensão socioambiental.
Ninguém duvida que o Brasil tem o know-how necessário para implantar Usinas hidrelétricas, mas tenho absoluta certeza de que, na dimensão socioambiental, os estudos elaborados deixam muito a desejar e carecem de um maior aprofundamento, pois não se trata de máquinas e diques, de paredões de cimento e canais de derivação, mas de pessoas humanas de carne e osso, que conheço, de mulheres e homens, crianças, adultos e idosos, que sofrerão os impactos. Trata-se ainda do meio-ambiente, o lar que Deus criou para estes povos, que já começou a sucumbir fatalmente às inescrupulosas investidas de destruição e aniquilamento, tornando-se inabitável e deserto como já estou vendo em outras regiões do Xingu.
Eis a razão por que os movimentos sociais e povos indígenas da região da Transamazônica e do Xingu solicitaram ao Instituto Brasileiro de Meio Ambiente e Recursos Renováveis (Ibama) a realização de 17 audiências públicas complementares.
Faço o meu apelo a V. Excia. e à sua formação cristã que não deixe de ouvir esse grito. Conheço o Xingu como a palma da minha mão. Conheço os povos do Xingu, de perto e pessoalmente, de inúmeros encontros, celebrações, reuniões e contatos, ao longo de 44 anos que aqui vivo, quase 30 dos quais como bispo. Amo esses povos e por isso entendo a minha missão de pastor como a missão de também irmanar-me com esses povos e seus movimentos e organizações na defesa do lar em que vivem e de seus legítimos anseios e suas esperanças contra agressões de qualquer tipo.
V. Excia. no cargo que ocupa e no ministério que exerce foi escolhido como guardião do Meio Ambiente. Faço votos de que sempre tenha a coragem e a força necessárias para tomar as decisões que, realmente e de modo sustentável, favorecem o Brasil e o seu povo.
V. Exci. poderá sempre contar com minhas orações.
Que Deus abençoe V. Excia. e sua família.
Cordialmente,
ERWIN KRAUTLER
Bispo do Xingu
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