As histórias que a jornalista Fransssinete Florenzano conta em seu blog, somadas ao assassinato de uma estudante por uma de suas colegas e às ameaças de morte registradas numa escola de Santa Bárbara, município próximo a Belém, compõem um cenário de horror, de estupefação, de desolação.
Mas não apenas isso. Revelam um processo acelerado de deterioração de valores que tem como epicentro – vejam só – a escola.
Assassinatos, ameaças de morte, professores permanentemente intimidados por alunos violentos, filhos que agridem os pais, estudantes expostos à sanha de bandidos – que às vezes integram gangues formadas a partir dos próprios estabelecimentos de ensino -, acertos de contas entre grupos rivais que se enfrentam fardados no meio da rua (como se vê tão comumente em Belém), tudo isso oferece um cenário desolador.
É desolador porque a escola, infelizmente, em vez de transformar-se em espaço de repulsão da violência, da indisciplina e da nenhuma noção de respeito à autoridade, tem a escola se transformado num fator de atração de tudo isso.
Vê-se de tudo.
Vê-se o adolescente ou até mesmo a criança que sai de casa, pela manhã, carregando na mochila noções de básicas de que deve conduzir-se não com passividade ou submissão, mas sempre dentro de limites que impõem, que exigem, por exemplo, o maior respeito a seus professores. Pois esta mesma criança chega à escola e assiste, dentro da sala de aula, a cenas em que colegas põem o dedo em riste na cara do professor.
O professor, em situações que tais, mantém-se acuado. Teme ser agredido ou mesmo perder o emprego, como em regra acontece em colégios ditos de catiguria, em que o pai, figurão que não sai de colunas sociais, apresenta-se como o dotô, o dono do pedaço, o promotor dos eventos na escola. Por tudo isso, acha que pode exigir um tratamento diferenciado para ele e para seu filho, que na escola faz e aconteceu, mas não pode ser repreendido e nem pode sofrer sanções de qualquer. Se tal acontecer, ele contra ao papai.
Pois o garoto ou a garota que em casa são orientados para repelir esse tipo de conduta vêem-se presas de dúvidas atrozes quando chegam à escola e constatam que lá é tudo diferente – para pior – do que vêem em casa.
De outro lado, vê-se o adolescente ou a criança que saem de um ambiente familiar onde o pai, como contou a Franssi, manda a mulher, os filhos, a empregada e até o cachorro “se f...”.
Quando chega à escola, esse jovem ou essa jovem deparam com quadros mais ou menos idênticos – de absoluto desrespeito. Dificilmente poderão sentir-se estimulados a mudar de conduta. Dificilmente apreenderão a agir em contraste com aquilo que colhem em casa e levam na mochila para a escola, todos os dias.
Todos guardamos ótimas lembranças da escola. A escola sempre foi um espaço onde se experimentou a transgressão. Sempre. Mas há limites para essa experiência. Escolas também devem ser o local mais apropriado para o erro. Porque é lá que se deve aprender a não errar. Ou a errar o mínimo possível.
Quando a escola passa a ser palco de assassinatos, de ameaças de mortes, de professores amedrontados por alunos indisciplinados em limites que abalam o próprio equilíbrio na convivência no espaço escolar, quando pais vão à escola e dizem que o bom mesmo é mandar todos “se f...”, há em tudo isso um sinal evidente de que alguma coisa está muito, muitíssimo errado.
Ou que tudo, absolutamente tudo, está errado. Erradíssimo.
5 comentários:
Endosso suas palavras, Paulo. A escola, como ponto nevrálgico de qualquer sociedade, está com suas feridas expostas, sangrando em praça pública. Não é possível continuar assim. Atingida violentamente pela crise ética, pela falta de uma política consistente para a Educação, pela ausência do Estado e da família, a escola é o reflexo concentrado do que vivemos. Além de todas as situações de que falamos, há as meninas que faltam à escola porque são exploradas sexualmente pelas próprias famílias (não, isso não é um triste e pavoroso privilégio do Marajó), que as entregam a vizinhos e estranhos para sessões de horror em troca de comida. Como eu sei disso? Procurei saber. Que tal o Ministério Público, o Juizado da Infância e da Juventude, a Polícia, os Conselhos Tutelares também procurarem saber? É só conversar com abnegados professores que, mesmo ganhando salário incompatível com sua enorme missão, se dispõem a visitar os alunos que faltam seguidamente às aulas. Há os que, ao chegar à casa de uma criança de 11 anos, viram uma fila de curiosos olhando, através de um buraco na parede da casa de barro, a menina ser violentada por um velho contumaz na prática, combinada com a mãe da garota. Isso nos confins do nosso Pará? Não. Na periferia de Belém.
Esse horror não pode continuar! A tragédia é diária e, sem providências, só pode piorar. Não podemos fazer de conta que não existe. Também somos responsáveis. Se todos denunciarmos e cobrarmos ações das autoridades, há de acontecer algo de bom.
Sim, Franssi.
Um dos problemas é isto: a omissão de todos nós.
Concordo que, nesse aspecto, também somos responsáveis. E muito.
Abs.
Olá, que bom encontrar mais um espaço em que podemos opinar livremente. Sou professor da rede estadual e venho, ultimamente, opinando em outros blogs sobre a realidade cruel de nossas escolas. Estou na rede há 9 anos e desde esta época problemas de infra-estrutura já se observavam nas unidades escolares. Falta material humano (técnicos, psicólogos, orientadores, secretárias e auxiliares, etc.), Nós, professores, temos que todo ano brigar para garantir a não desvalorização dos salários, pois aumento real não conhecemos há muito tempo, para fazermos extensão é necessário que nos desdobremos entre os cursos e as aulas, visto que é muito difícil sermos licenciados para estudos (para pós-graduação, nível especialização, o profissional tem que dividir), as condições físicas das escolas são degradantes (imagine você estudar em Belém de junho a outubro com o calor insuportável, em salas que sequer tem ventiladores às vezes), entre outras mazelas. A violência soma-se ao que relatei e nos últimos 4 ou 5 anos o número de casos vem aumentando, entre 2007 e 2008 já contabilizamos duas vítimas fatais, o vigia da Escola Hilda Vieira e a aluna da escola Renato Conduru. O silêncio na escola e na instituição (SEDUC) é incômodo. Ninguém fala nada consistente, tratam os fatos como "fatalidade" ou "caso isolado" (particularmente, odeio este último termo). Espero que este debate prossiga para que o problema não se torne corriqueiro.
a) Alcyr Lima - Professor
Professor Alcyr,
Mais do que um comentário, sua intervenção aqui é um testemunho. O blog vai publicá-lo mais tarde, na ribalta, para estimular o debate.
E volte sempre, quantas vezes quiser.
Abs.
Obrigado.
Abs,
Alcyr Lima
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