quarta-feira, 4 de junho de 2008

A doce arte de Gabriella no Arte Doce Hall

Do magistrado, professor e compositor Vicente Malheiros da Fonseca, em sua comunidade no Orkut, sobre o concerto de Gabriella Affonso na Sala Augusto Meira Filho, no Arte Doce Hall.

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A Fundação Amazônica de Música e o Projeto Vale Música promoveram nesta terça-feira (3/6), em Belém (PA), um excelente concerto de Violoncelo e Piano, na Sala Augusto Meira Filho, no Arte Doce Hall.
Natural de Belém, a pianista Gabriella Affonso reside nos Estados Unidos, onde realiza o curso de Performance em Piano com o pianista Arnaldo Cohen, na Indiana University. A consagrada pianista paraense é vencedora de importantes prêmios nacionais e internacionais. Tem atuado como solista e camerista no Brasil e no exterior. É também professora.
André Micheletti nasceu em Piracicaba (SP). Foi primeiro violoncelo na Camerata Fukuda, Orquestra de Câmera da Unesp e Concertino da Orquestra do Teatro Municipal de São Paulo. Integrou a Orquestra Experimental de Repertório e Jazz Sinfônica. Foi vencedor de vários prêmios e também exerce o magistério. Atualmente é concertino da Columbus Indiana Philharmonic Orchestra.
Inicialmente, o violoncelista fez uma oportuna explicação didática de cada obra apresentada pelo duo.
Houve alteração no programa previamente divulgado. Não foi executada a Sonata em ré menor (para Violoncelo e Piano), de Claude Debussy, e a composição de Mendelssohn foi tocado no final do concerto.
O recital começou com a Sonata para Violoncelo e Piano op. 5 nº 2, em sol maior, de Beethoven (1770-1827), composta em 1796 e dedicada a Frederico Guilherme II, Rei da Prússia.
Beethoven escreveu cinco sonatas para violoncelo e piano.
A peça é da primeira fase de Beethoven, mas já revela o gênio do notável compositor alemão. O destaque do 1º movimento são as pausas expressivas, a demonstrar o significado do silêncio, na obra, interpretada como a idéia da morte, sugerida pelo compositor.
Gabriella e André mantiveram-se seguros, talentosos, com perfeito domínio de seus instrumentos, cuja sonoridade esteve impecável, além de notório entrosamento entre os intérpretes.
A obra é bastante exigente, mas a performance dos artistas é de elevado nível. A interpretação foi bela e harmônica, com clareza impressionante e extraordinária musicalidade, particularmente nos contrastes estabelecidos pela dinâmica escrita pelo compositor, desde os pianíssimos apurados até os fortíssimos vibrantes.
Em seguida, o duo tocou a Modinha (1939) – “aquele modinha que o Villa-Lobos não escreveu” – para violoncelo e piano, de Francisco Mignone (1897-1986), que evoca a paisagem do Rio de Janeiro na década de 50 do século XX, com sabor bem brasileiro. Interpretação excelente!
A primeira parte encerrou-se, em alto estilo, com o Trenzinho Caipira (Bachianas Brasileiras nº 2), uma das obras mais conhecidas de Villa-Lobos (1887-1959).
A peça foi composta originariamente para duo de violoncelo e piano. Depois, Villa-Lobos, que era violoncelista, ampliou a obra para orquestra. A composição foi dedicada a Iberê Gomes Grosso (1905-1983), violoncelista, sobrinho-neto de Carlos Gomes (1836-1896) e ex-aluno de Pablo Casals (1876-1973).
O duo Gabriella-André deu realmente um verdadeiro show de virtuosidade na apresentação desta belíssima obra de Villa. Os efeitos quase percussionistas do piano e os recursos dos sons harmônios extraídos do violoncelo deixaram a platéia embevecida.
Mas ainda tinha mais.
A segunda parte do concerto nos brindou com a bela Sonata para Violoncelo e Piano nº 2, op. 58, de Felix Mendelssohn (1809-1847), compositor alemão, que se notabilizou por haver composto a famosa Marcha Nupcial (abertura da peça Sonho de uma Noite de Verão) e por haver resgatado a obra de J. S. Bach (1685-1750), uma vez que ele tinha bastante conhecimento da história da música.
A sonata é bem estruturada e exige muito preparo técnico e sensibilidade dos intérpretes, desde as vertiginosas escalas destinadas à parte do piano, com passagens bastante virtuosas para a mão esquerda da pianista – sempre muito segura e eficiente – até o movimento final da obra, em que ambos os instrumentos, num diálogo magnificamente costurado, caminham para a conclusão da peça em andamento vivo, numa demonstração de que Gabriella e André possuem pleno domínio da interpretação da música.
A meu ver, o ponto mais alto do concerto foi a execução do Adágio, no 3º movimento da Sonata de Mendelssohn, um compositor que vem sendo resgatado pelos musicólogos nos últimos anos. Simplesmente magnífico!
O duo respondeu à altura o pedido de bis formulado pela entusiasmada platéia e repetiu, com maestria, o Trenzinho Caipira, do grande Villa-Lobos.
Ficou a sensação de que Gabriella, sempre que vem à sua terra natal, está cada vez melhor. Um orgulho da cultura paraense.
Fui cumprimentar Gabriella e André, nos bastidores, e lhes entreguei um CD contendo as partituras de 6 peças que compus para duo de violoncelo e piano: “Ave Maria”, “Chorinho Pai D’Égua”, “Navegando no Tapajós”, “Olhando o Ocaso”, “Santarém, pôr-de-sol” (arranjo sobre composição de Wilson Fonseca, maestro Isoca – meu saudoso pai) e “Sonatina Amazônica”. A série inédita de minhas “Valsas Santarenas” (atualmente, 68 peças) estão à disposição da jovem pianista.
Bravo, Gabriella e André! Sem dúvida, uma noite de gala!

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