quarta-feira, 7 de janeiro de 2009

Imbróglio eleitoral


A função primordial do sistema jurídico é a promoção da segurança, certeza, estabilidade e previsibilidade nas relações sociais. O direito eleitoral brasileiro vem falhando no atendimento a esses objetivos. Os exemplos deste fracasso estão por toda a parte, como demonstra o imbróglio jurídico em que se transformou a eleição para a Prefeitura de Santarém.
A ex-prefeita, que buscava a reeleição, teve o seu registro de candidatura impugnado. Na data das eleições, não havia decisão cassando o seu registro. No entanto, após ter obtido expressiva vitória eleitoral, com mais de 50% dos votos válidos, o Tribunal Superior Eleitoral retirou-lhe o registro, decidindo que ela não preenchia as condições jurídicas para concorrer. Como o registro de candidata foi negado, a prefeita reconduzida pelas urnas não pôde ser diplomada e nem tomar posse regularmente.
Pela lei eleitoral vigente, a hipótese impõe a realização de nova eleição para os cargos de prefeito e vice-prefeito do município. Até que este evento ocorra, o município deve ser comandado pelo presidente da Câmara dos Vereadores que assume temporariamente o cargo de prefeito.
Ocorre que a ex-prefeita continua, legitimamente, perseguindo na Justiça o reconhecimento do seu direito de concorrer. Como a matéria de fundo tem aspectos constitucionais, pretende levar o problema à apreciação do Supremo Tribunal Federal. No entanto, o recurso dirigido a este Tribunal, contra a decisão tomada pelo TSE, não tem o efeito jurídico de suspender a realização da nova eleição, como o próprio presidente do TSE já reconheceu, em decisão respondendo à medida judicial que objetivava esta suspensão.

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“Não fica claro o entendimento jurisprudencial acerca da possibilidade jurídica de o vice-prefeito na chapa da ex-prefeita voltar a participar da nova eleição.”
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A convocação da nova eleição cabe ao Tribunal Regional Eleitoral do Pará, que não precisa, pela lei vigente, aguardar a decisão do STF no recurso da ex-prefeita, a menos que este Tribunal, urgentemente, determine a suspensão do novo pleito.
A insegurança jurídica é a marca do debate. O novo prefeito eleito terá obtido uma vitória de Pirro se, no futuro, o recurso da ex-prefeita for provido no STF? Ou, por outro lado, a realização das novas eleições tornará sem objeto a postulação recursal da ex-prefeita, haja vista a irreversibilidade da situação fática trazida pela escolha do novo mandatário municipal, critério hermêneutico por vezes utilizado pela Jurisprudência?
A realização de nova eleição suscita também o debate acerca das condições jurídicas que os eventuais candidatos devem preencher. A jurisprudência do TSE registra que aquele que deu causa ao cancelamento da eleição não pode participar do novo pleito, o que, em princípio, já afastaria a possibilidade de a ex-prefeita concorrer na nova eleição, ainda que superasse o impedimento subjetivo reconhecido pelo Tribunal.
No entanto, não fica claro o entendimento jurisprudencial acerca da possibilidade jurídica de o vice-prefeito na chapa da ex-prefeita voltar a participar da nova eleição. Para alguns juristas, a razão da negativa do registro está ligada à subjetividade da ex-prefeita, razão pela qual não contamina o então candidato a seu vice-prefeito; para outros, aplica-se o princípio da unicidade da chapa, ou seja, quem deu causa ao cancelamento da eleição foi a chapa majoritária, e não os candidatos individualmente, logo, o candidato a vice-prefeito também estaria impedido de participar do novo pleito.
Vale registrar que o TSE registra vários precedentes no sentido de que havendo novas eleições, por razões de abuso do poder econômico (hipótese fática distinta da ora analisada, registre-se), o candidato a vice-prefeito da chapa vitoriosa que deu causa ao cancelamento das eleições também fica impedido de participar do novo pleito.
Diante do quadro relatado, é recomendável que a resolução do Tribunal Regional Eleitoral do Pará que convoque a nova eleição dissipe as possíveis dúvidas interpretativas que já estão no debate, aí incluído o critério para contagem do prazo de desincompatibilização que os novos candidatos devem cumprir.
De tudo, fica a pergunta feita pela minha filha de 10 anos: 'Pai, se a prefeita não podia ser candidata por que o Tribunal não disse isso pra ela antes das eleições?'

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HELENILSON CUNHA PONTES é doutor em Direito, Livre-docente pela Universidade de São Paulo (USP) e advogado.

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