sábado, 7 de junho de 2008

Não caia antes de ser empurrado

ANTONIO ATHAYDE (*)

AINDA OUTRO dia recebi correspondência eletrônica com uma dezena de provérbios oriundos de várias culturas mundo afora. Com pequenas variações, nós aqui temos correspondentes para quase todos.
Um deles, inglês, que está no título deste artigo, me fez pensar na situação pela qual passam hoje os jornais norte-americanos, que amargam resultados ruins, com perda de leitores e anúncios e, conseqüentemente, de valor de mercado.
No Brasil, festejamos seguidos anos de crescimento de circulação, de faturamento e, o mais surpreendente, aumento da participação do nosso meio no chamado "bolo publicitário", a verba destinada pelos anunciantes aos diversos meios de comunicação.
Surpreendente, sim, pois o crescimento da base de assinantes da TV paga e dos usuários da internet no Brasil fez com que analistas previssem que aconteceria aqui o mesmo fenômeno que preocupa acionistas e executivos da mídia impressa norte-americana.
Uma rápida análise do que está acontecendo por aqui mostra o impressionante crescimento dos chamados "jornais populares", com preço baixo e conteúdo dirigido à classe C, já chamada a "classe dominante" no país.
"Extra" (Rio), "Diário Gaúcho" (Rio Grande do Sul), "Super Notícia" (Minas Gerais), "Agora" e "Jornal da Tarde" (São Paulo) batem seguidos recordes de circulação. Iniciativas em Vitória (ES) e Campinas (SP) surpreendem os criadores de jornais populares por atingirem resultados muito superiores aos esperados nos seus planos de negócio.
Preço baixo, estratégia de distribuição, promoções e, sobretudo, matérias produzidas e apresentadas de acordo com o gosto do novo leitor fazem a receita desse enorme sucesso. Fica claro que estamos assistindo ao processo de formação de novos leitores que, em breve, procurarão análises mais refinadas, textos mais profundos e anúncios de produtos de maior valor agregado e migrarão para os jornais que ofereçam esse serviço.
Os grandes jornais inovam com novos cadernos, reformas gráficas e revistas, além de terem feito reestruturações nas suas organizações de modo a ganhar agilidade na percepção das novas tendências do mercado leitor e do mercado publicitário.
Ao mesmo tempo em que anunciam a revolução que a internet traz ao seu próprio negócio, os jornais têm seus cadernos de informática, que propagam as conquistas desse seu ferrenho concorrente. E assim também aconteceu quando da chegada da TV digital, quando foram servidos ao público cadernos especiais apresentando essa nova maneira de competição pelo tempo do consumidor.
E assim se preparam para essa nova realidade, em que sua missão não é mais trazer novidades aos leitores, mas sim ajudá-los a compreender o mundo, mais complexo sob qualquer ponto de vista, inclusive apontando a melhor maneira de escolher e comprar um produto ou um serviço.
Tabelas de preço de publicidade se tornaram mais simples, e equipes de vendas, mais preparadas para mostrar a anunciantes e agências de propaganda as vantagens de anunciar em jornal, não só como mídia eficiente, mas como veículo capaz de emprestar sua extraordinária capacidade de relacionamento com o seu leitor ao anúncio nele veiculado.
Nada como o prazer de ler "o meu jornal"!
É impressionante como mesmo os pequenos diários do interior do país estão na web fazendo valer a força de suas marcas, se dedicando ao chamado "hiperlocalismo", a promover eventos, enfim, a reagir aos movimentos de leitores dos mais diversos perfis e a oferecer a anunciantes novas formas de se relacionar com eles.
Os jornais brasileiros têm vantagens importantes sobre os americanos que os fazem viver realidades inteiramente diferentes neste instante.
Podem acompanhar o que ocorre por lá e se preparar para enfrentar as dificuldades e evitar o "eu sou você amanhã". Além disso, não estão submetidos à pressão de resultados que o mercado impõe às sociedades de capital aberto. Os empresários daqui fizeram o possível para enfrentar as dificuldades do final do século e do início desta década sem baixar a qualidade do seu produto. Amargaram reduções importantes nas suas margens e colhem agora os frutos dessa decisão.
Minha impressão é que os jornais americanos se preocuparam demais com a chegada dos concorrentes eletrônicos, não fizeram seu dever de casa para entender a nova situação e se entregaram a um derrotismo antecipado. Caíram antes de serem empurrados.

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ANTONIO ATHAYDE, 62, engenheiro, é diretor-executivo da ANJ (Associação Nacional de Jornais). Foi executivo sênior da Rede Globo, Gobosat/NET Brasil, Globopar, Rede Bandeirantes e SBT. Trabalhou como consultor da Telefónica para projetos de TV na América Latina e para o Grupo Abril.
Publicado na
Folha de S.Paulo

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