sábado, 7 de junho de 2008

A arte de interpretar



O professor Miguel Reale Júnior nos ensina que a interpretação das normas é "um momento de intersubjetividade". Essa expressão, embora signifique o que se passa entre sujeitos diferentes, o autor quis relacionar especificamente com a hermenêutica jurídica, cuja função é apurar o conteúdo do sentido e dos fins da norma.
Há um princípio segundo o qual o texto ao ser redigido de maneira clara e objetiva, não necessita de interpretação (in claris cessat interpretatio). É quando não se tem a necessidade de revelar o sentido e o alcance da norma, uma vez que a sua finalidade e o seu campo de incidência estão nitidamente definidos. Resulta disso que o exercício de interpretação das leis, em certas ocasiões, não exige esforço.
Porém, nossa primeira instância de Justiça parece cultivar hábitos repetitivos. Exemplo é o de arbitrar honorários advocatícios sobre o valor da causa, mesmo na hipótese em que não houve condenação.
Desde 1º de outubro de 1973 (Lei Federal nº 5.925), o § 3º, art. 20, do Código de Processo Civil (CPC) dispõe, de modo extremamente claro e preciso, que os honorários advocatícios serão fixados entre o mínimo de 10% e o máximo de 20% sobre o valor da condenação e não do valor da causa. Logo, quando o pedido for julgado improcedente com resolução do mérito não é permitido fixar honorários pelo valor da causa, pois inexistiu a condenação solicitada pela norma.
Como visto, a leitura do dispositivo em exame não exige nenhum exercício espichado de interpretação. Bastaria descer o olhar no CPC ao parágrafo seguinte de tal artigo (§ 4º) para constatar que, nas causas em que não houver condenação, os honorários serão fixados consoante apreciação equitativa do juiz, atendidas as normas das alíneas a, b e c do § 3º, ou seja, o grau de zelo do profissional, o lugar da prestação do serviço, a natureza e a importância da causa, o trabalho realizado pelo advogado e o tempo exigido para o seu serviço.
Essa disposição legal tem, inclusive, uma finalidade muito interessante: a de evitar situações esdrúxulas como a do autor que fixou o valor da causa em R$ 1 milhão, porque este era o valor econômico perseguido na demanda, e o juiz condenou o réu na quantia de R$ 10 mil, arbitrando os honorários advocatícios em 10% sobre o valor da causa. Ora, operação matemática elementar é suficiente para verificar que o réu pagará mais os honorários advocatícios (R$ 100 mil) do que a própria condenação dada na sentença (R$ 10 mil).
Acredito que a circunstância de se arbitrarem honorários advocatícios sobre o valor da causa, quando não houver condenação, pode e deve ser corrigida pelo recurso específico ou, ainda, por meio de ação rescisória se houver trânsito em julgado da sentença de até dois anos. É que inciso V do art. 485 do CPC dispõe a possibilidade de se rescindir o julgado que violou literal disposição de lei.
Nesse sentido, pacífica em nossos tribunais a idéia segundo a qual sem condenação não há que se falar em honorários advocatícios arbitrados sobre o valor da causa.
É preciso, pois, que os operadores do Direito se esforcem para afastar equívocos dessa natureza.
Na antiguidade, a lei era a vontade dos deuses. Hoje, em face da imensa quantidade de conflitos sociais, o ânimo do legislador é que deve prevalecer. Afinal, é quem detém, primordialmente, a função de fazer as leis.
Também não podemos esquecer que um Estado Democrático de Direito se faz não apenas com a possibilidade de votar ou ser votado, mas pela correta prestação jurisdicional, que inclui o exercício mínimo da arte de interpretar.

Roberto da Paixão Júnior é especialista em Direito do Estado
imcpaixao@superig.com.br

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