segunda-feira, 21 de novembro de 2011
Decadência de Roma
Logo após a renúncia do multimilionário Silvio Berlusconi, muito comemorada pelos italianos diante do Palácio Grazzioli, sede do governo italiano, manifestante acha que a lata de lixo da história é boa demais para o ex-premier. A pressão foi grande e intensa e o internamente torto, travado e desvairado Berlusconi, não resistiu após se ver obrigado a apresentar uma carta de intenções e aceitar o monitoramento do Fundo Monetário Internacional (FMI). Este também ofereceu uma linha de crédito emergencial de 50 a 80 bilhões de euros, mas vinha ligada a exigências bastante pesadas e foi recusada, até porque sinalizaria o agravamento da crise sem resolver o problema.
Esse legado sinuoso e obscuro de Berlusconi, volta à tona com a peculiaridade da autoria integral. Após muita cornetagem para conter a espiral de endividamento, alguns deputados trocaram o Partido da Liberdade (PdL) da situação pelo oposicionista União de Centro e outros se declararam independentes. Umberto Bossi, líder da Liga Norte, vital para a coalizão governista teve então o seu dia de Brutus: pediu a renúncia do primeiro-ministro. Diante da conjuntura perigosa, foi o golpe de misericórdia após a pressão do chamado Grupo de Frankfurt. De pouco adiantou a cúpula da União Europeia colocar a Grécia contra a parede. Tudo com a finalidade de concentrar esforços em esmagar - e ao que parece, apenas temporariamente - a rebelião de Atenas, os bárbaros do mercado financeiro tomavam as muralhas de Roma.
A dimensão da crise justificou a inusual intervenção do presidente Giorgio Napolitano, embora no sistema parlamentarista sua atuação normalmente se dá apenas no caso de o Gabinete transgredir a Constituição. Diante do caos, Napolitano, um histórico comunista de 86 anos, não pensou duas vezes, assumiu o papel de articulador da transição e tornou-se uma liderança fundamental na Itália. Chamou para o diálogo as forças partidárias, exigiu que o primeiro-ministro Berlusconi assumisse publicamente a renúncia em troca da aprovação de um duro plano de contenção e ajuste e sinalizou o nome do renomado economista Mário Monti, como novo primeiro-ministro italiano. Apontado por analistas políticos como a solução para um, digamos, "governo de tecnocratas" acima dos partidos.
Mas a direita italiana não cederá o osso de mão beijada. Mesmo Berlusconi resistindo a renunciar a ponto de arrastar a UE inteira à beira do abismo. Grande parte da direita italiana, mesmo entendendo ser preciso se desfazer dessa carga para não submergir, está suficientemente envolvida nos abusos da era Berlusconi para compartilhar desses receios. Uma espécie de arranjo para mudar sem mudar. Preferiria a leopardização à Lampedusa do berlusconismo, com a escolha de uma figura de proa menos dificultosa, mas com as mesmas posturas, a arriscar eleições.
Roma lembra a fase do Alto Império, de governantes desastrosos como os Júlio-claudianos Calígula e Nero, este atribuiu aos cristãos a responsabilidade pelas calamidades e crises que se abatiam sobre o império. Hoje, com a pressão das medidas necessárias, as finanças da Itália e o euro podem não resistir e a indefinição só piora as coisas. Os líderes europeus continuam a reboque dos acontecimentos e presos demais a interesses imediatos para pensar no futuro, sem pensar para além da próxima curva do caminho. Ah! "Tempo é dinheiro". Aliás, tempo é a moeda corrente que falta a ricos e pobres.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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