segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Os presentes de que Belém precisa




Nas comemorações oficiais pelos 393 anos de fundação de Belém, a população da cidade tem muito pouco a festejar. O prefeito reeleito, que sumiu depois da vitória, certamente vai comemorar a data distribuindo a seu bel-prazer medalhas de Honra ao Mérito a algumas personalidades que ele mesmo escolheu, com base em critérios meramente pessoais e não por serviços prestados à cidade.
Entre os distintos homenageados certamente pontificarão alguns empresários, empreiteiros, construtores imobiliários e donos de ônibus que deram "aquela força" à sua reeleição...
Apesar do descaso e dos maus tratos de seus últimos governos, Belém continua brejeira na sua morenice-açaí e imbatível na variedade de seus sabores e cores inconfundíveis. A melhor maneira de comemorar esse aniversário seria com um belo banho de cheiro nas feiras e praças da cidade para lavar sua "alma" e também afastar tudo aquilo que agride a beleza natural de Belém.
Erradicar, por exemplo, através de uma Operação Limpeza, os ratos (roedores) que proliferam nos bueiros e valas entupidos pelo lixo doméstico jogado nas ruas por falta de lixeiras e de contêineres. Com sete ratos por habitante, Belém possui uma das maiores populações "raticidas" do mundo.
Que tal também presentear a cidade com um livro contando sua história, através dos relatos de seus cronistas, desde os mais antigos, que descreveram a saudosa Belém de outrora, aos mais modernos, que se reportam ao viver contemporâneo? Uma coletânea com o melhor do que escreveram sobre Belém (em prosa, verso ou música) apaixonados namorados da cidade, como Edgar e Edyr Proença, Augusto Meira Filho, Nilo Franco, Adalcinda Camarão, Ernesto Cruz, Edwaldo Martins, grandes figuras humanas dotadas de sensibilidade e talento, que, infelizmente, já se foram deixando mais pobre e vazia de poesia e arte a paisagem humana/urbana de Belém.
Outro presente para a cidade seria a criação de um Conselho Municipal de Cultura, composto de cidadãos belenenses que se destacam no mundo das artes e da cultura, tendo como principal requisito uma declaração sincera de amor à Belém. A esse conselho caberia zelar pela memória da cidade, oferecendo sugestões ao prefeito, sem cobrar cachê nem DAS.
E o trânsito caótico/neurótico, que continua fazendo vítimas, diariamente, além de se transformar numa das faces mais cruéis do caos urbano, com seus congestionamentos irritantes e colossais?

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“Na ‘terra de direitos’, só existente no mundo da fantasia e da propaganda oficial enganosa, os cidadãos belenenses gostariam que os agentes públicos que elegeu tivessem competência, pelo menos, de assegurar-lhes o direito à vida e o direito de ir-e-vir, seriamente ameaçados na capital do Estado.”
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Outro grande presente para a cidade seria a reativação e implementação do Plano Diretor de Tráfego Urbano (PDTU), elaborado na década de 80 pelos técnicos da Agência Internacional de Cooperação Técnica do Japão (Jica), que previa a construção de obras viárias indispensáveis (já na época), como viadutos, vias expressas para ônibus, anéis viários e terminais de integração, para acompanhar o crescimento e expansão da metrópole (veja nas fotos acima).
Decorridos tantos anos de omissões e desídia de vários prefeitos, o Plano mudou de nome (chama-se hoje Via Metrópole), mas jamais saiu do papel.
Diante do descaso e da apatia dos agentes públicos, Belém poderá parar até 2010, uma terrível profecia/previsão dos técnicos japoneses da Jica, que está se cumprindo. As artérias da cidade são como as veias do corpo humano: quando entopem, o organismo todo entra em colapso e morre.

O teste de fogo acontecerá a partir de 27 deste mês, com a realização, em Belém, de um megaevento como o "Fórum Social Mundial", com previsão da vinda de mais de 100 mil visitantes. Quase nada se fez para preparar a cidade, notadamente em relação ao trânsito.
Belém será por uma semana a capital mundial da diversidade cultural. Os holofotes da mídia estarão voltados para nossa cidade. Seria uma bela oportunidade de projetar Belém e, praticamente, assegurar sua indicação pela FIFA para ser uma das subsedes da Copa 2014, pois não?
No entanto, nenhuma ação estratégica visível foi adotada pelos gestores públicos. Prevaleceu aquela sensação empírica da cultura do improviso, ou seja, de que "com jeitinho tudo vai dar certo"...
E a sensação de impotência e desamparo dos cidadãos belenenses em relação à violência e barbárie que tem tomado de assalto as ruas da cidade? Seria apenas uma "sensação de insegurança", fruto da "herança maldita" de governos anteriores? Ou não se trata de uma clara demonstração de falência dos mecanismos utilizados pelo "aparelho" da segurança pública do Estado?
Na "terra de direitos", só existente no mundo da fantasia e da propaganda oficial enganosa, os cidadãos belenenses gostariam que os agentes públicos que elegeu tivessem competência , pelo menos, de assegurar-lhes o direito à vida e o direito de ir-e-vir, seriamente ameaçados na capital do Estado.
A sociedade belenense está ficando órfã de governo e refém dos bandidos, ameaçada pela insegurança e pelo medo. Ninguém mais tem certeza de que voltará vivo para sua casa, após um dia de trabalho. Pais e mães temem pela segurança de seus filhos que precisam ir à escola, ao trabalho ou a um simples lazer.
O vírus da violência urbana ameaça a própria convivência social. Há uma "onda" de paranóia no ar. Todos são suspeitos, em princípio, principalmente os que andam de bicicleta ou de moto.
As famílias estão confinadas em suas casas gradeadas. Aqueles que "podem" estão indo morar em condomínios fechados, na vã ilusão de que estarão protegidos em suas falsas cidadelas e torres de marfim, que se erguem imponentes, mas destruindo as "pontes" da cidade com a natureza e a vida.

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“Os governantes deveriam sintonizar a voz rouca que vem das ruas e oferecer à população belenense, como presente de aniversário da cidade, uma chance de viver em paz.”
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Ninguém mais consegue "jogar conversa fora" nas calçadas ao final da tarde ou início da noite, um dos tradicionais usos e costumes de Belém, banido da vida dos habitantes da cidade, sitiada pela violência urbana, pela insegurança e pelo pânico.
Os governantes eleitos parecem ignorar suas obrigações e deveres com a sociedade, entre os quais a segurança que, nos termos do artigo 144 da Constituição Federal, "é dever do Estado e direito do cidadão."
Não se conhece nenhum plano de combate à violência na cidade. Onde estão os serviços de "inteligência" da Polícia Militar e Civil? Até quando as "autoridades competentes" irão assistir, impassíveis, ao avanço da criminalidade e da violência em Belém?
Após as mortes violentas do médico Salvador Nahmias e do procurador Marcelo Iúdice,
a governadora do Estado e o prefeito de Belém deram entrevistas para "lamentar" tais ocorrências e "prestar solidariedade" às famílias enlutadas.
E as famílias de outras vítimas da violência, anônimos e humildes trabalhadores, eleitores e contribuintes?
Ora, senhores, um governante do Estado ou de uma capital não foi eleito apenas para "lamentar" as mortes violentas e prestar solidariedade às famílias enlutadas, mas sim para adotar providências, políticas públicas e medidas efetivas de combate à violência urbana e com isso tranqüilizar a sociedade ameaçada de desintegrar-se na sua própria base de sustentação social, diante da insegurança e do medo que estão assumindo ares de calamidade pública em Belém.
Então, senhores dos destinos do Pará e de Belém, que tal inovar nos festejos comemorativos da cidade em 2009?
Basta de discursos laudatórios. Deem-nos alvíssaras. Quem sabe com o anúncio de alguma providência ou algum plano de combate à violência urbana, que possa conter essa barbárie? Até por questão de sobrevivência política, os governantes deveriam sintonizar a voz rouca que vem das ruas e oferecer à população belenense, como presente de aniversário da cidade, uma chance de viver em paz, assegurando-lhe os essenciais direitos à vida e o de ir-e-vir.
Seria o maior de todos os afagos de que Belém precisa.
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FRANCISCO SIDOU é jornalista
chicosidou@bol.com.br

Um comentário:

Kika Fófano disse...

Estou ainda em choque com a trágica morte do Marcelo. O conheci no Rio de Janeiro e ele dizia que a nossa capital era violenta demais. No entanto, perdeu sua vida no lugar que se sentia mais seguro e que dedicava sua vida. Grande profissional sempre tinha em mente ajudar as pessoas sem se questionar se eram merecedoras. E dessa forma, foi violentamente "arrancado" de todos nós que tínhamos o privilégio de sua companhia. Aqui fica então minha pergunta e minha dor: Quantos mais precisarão morrer? Deixem os anjos viverem conosco, precisamos de suas vidas, necessitamos gozar essa paz.

Cristiane Fófano- RJ