terça-feira, 20 de janeiro de 2009

Obama chega "mais negro" à Presidência

Na FOLHA DE S.PAULO:

Entre as várias correções de curso que o presidente eleito dos EUA, Barack Obama, vem fazendo em relação ao candidato Barack Obama figura a questão racial. Conforme se aproxima o momento da posse, perto das 12h locais em Washington de hoje (15h de Brasília), o democrata se torna mais negro e menos "pós-racial", epíteto com o qual sua campanha acalmou a maioria branca do eleitorado americano.
Na semana passada, em encontro com o comando editorial do jornal "Washington Post", o presidente eleito falou pela primeira vez de maneira realmente clara sobre o significado de os Estados Unidos estarem a momentos de terem seu primeiro presidente negro -não pós-racial ou birracial, ambos rótulos legítimos, já que ele é filho de um queniano negro e uma americana branca.
"Há uma geração inteira que vai crescer achando normal que o posto mais elevado do planeta seja ocupado por um afroamericano", disse ele. "É uma coisa radical. Muda como as crianças negras olham para elas mesmas. Também muda como crianças brancas olham para crianças negras. E eu não subestimaria a força disso."
A tomada de posição tardia de Obama, 47, chega num dia historicamente relevante e num momento histórico único. Ontem, data da publicação da entrevista, foi também o Dia de Martin Luther King, um dos três feriados nacionais norte-americanos dedicados a uma pessoa -os outros são ao descobridor Cristóvão Colombo e ao primeiro presidente do país, George Washington.
A véspera da posse foi marcada por eventos que lembravam o aniversário do ativista negro (1929-1968). "Amanhã [hoje], nós vamos nos unir como uma só pessoa no mesmo local em que o sonho de dr. King ainda ecoa", disse o presidente eleito, referindo-se ao discurso "Eu Tenho Um Sonho", feito em 1963, e ao passeio que liga o monumento a Washington ao Capitólio, sede do Legislativo.
Pela manhã, Obama e a mulher, Michelle, visitaram um hospital para feridos de guerra na região de Washington, onde se encontraram com Martin Luther King 3º, primogênito do líder religioso assassinado aos 39 anos por um supremacista branco. Depois, realizaram trabalhos voluntários, entre eles a pintura de uma parede de um abrigo para sem-teto pelo presidente eleito, para incentivar o voluntariado.

Mais tolerante
No mesmo dia, foi divulgada pesquisa feita pelo "Post" e o departamento jornalístico da emissora ABC em que os que responderam que a questão racial não era mais um problema no país chegaram a porcentagem recorde. Foram 26% dos ouvidos, índice 2,5 vezes maior do que os que responderam da mesma maneira no início de 1996, último ano do primeiro mandato de Bill Clinton.
Apesar de os brancos serem mais otimistas -28% não veem mais problema racial nos EUA-, o número de negros que pensam da mesma maneira mais do que triplicou, pulando de 4% em fevereiro de 1996 para 15%. Os índices melhoraram em todos os quesitos: os negros atingiram ou atingirão igualdade racial para sete em cada dez ouvidos em geral e para seis em cada dez entre os negros.
A pesquisa ouviu 1.079 adultos não identificados por raça e 204 negros entre 13 e 16 de janeiro e tem margem de erro de três pontos percentuais. No levantamento dos dois veículos de comunicação, a maior discrepância entre os grupos aparece quando se pergunta se brancos e negros têm a mesma chance de conseguir o emprego para o qual são qualificados.
No geral, 76% diz que sim, mas o número despenca para 38% entre os negros, ante 83% entre os brancos. A noção de que a cor da pele mais escura exige mais empenho foi resumida com singeleza pela filha mais velha do casal presidencial. Segundo disse Obama à CNN no fim de semana, depois de olhar os discursos de Lincoln no memorial ao 16º presidente, Malia, 10, disse ao pai: "Primeiro afroamericano. Melhor [o discurso] ser bom".
Obama, que montou um gabinete com 20% de negros -ante 12,7% da população dos EUA em geral-, acha que o maior desafio para a comunidade afrodescendente, e mesmo latina, passa antes pela situação econômica. "Se nós acertarmos na economia, esse será um mecanismo para melhorar as relações raciais", disse, na mesma entrevista ao "Post".
A partir de hoje, esse mecanismo estará nas mãos de um negro, o primeiro na história a ocupar o cargo.

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