sexta-feira, 16 de janeiro de 2009

Itália irá recorrer ao STF contra refúgio de Battisti

Por Daniel Roncaglia, do Consultor Jurídico

Cinco dias depois de a Polícia Federal prender os boxeadores cubanos Guillermo Rigondeaux e Erislandy Lara, que desertaram a delegação de Cuba nos jogos Pan-americanos, Tarso Genro fez um sumário julgamento, extraditando os dois. Naquela decisão, o ministro não se questionou sobre a possibilidade do regime cubano fazer perseguição política aos boxeadores. Bicampeão olímpico, Rigondeaux era considerado um dos melhores boxeadores do mundo. Ao voltar para Cuba, foi banido do esporte pelo governo do país.
Regida por uma democracia parlamentarista, a Itália é adepta da alternância de poder. Desde o início do reinado de Fidel Castro em Cuba, no ano de 1959, a Itália já teve 47 governos com 18 primeiros-ministros diferentes.
Na quarta-feira (14/1), a chancelaria italiana procurou oficialmente o governo brasileiro. O Ministério das Relações Exteriores da Itália pediu um encontro com o embaixador brasileiro na Itália, Adhemar Gabriel Pahadian, e cobrou explicações sobre os motivos que levaram o Brasil a conceder o benefício. O governo italiano pediu que o Brasil recuasse em sua decisão e explicou os motivos desse pedido. O Itamaraty sinalizou que o pedido italiano será repassado a Tarso.
Nesta quinta-feira (15/1), o presidente Luiz Inácio Lula da Silva revelou que não irá rever o refúgio. Para ele, a decisão é uma questão de soberania e as autoridades italianas terão de respeitá-la. “A decisão brasileira é uma questão de soberania do Estado brasileiro. Nós, assumindo uma posição soberana, tomamos posição de entender que essa pessoa poderia ter status de exilado no Brasil”, disse o presidente em visita a Ladario (MS), na fronteira com a Bolívia. "É uma decisão do Estado. Alguma autoridade italiana pode não gostar, mas tem que respeitar”, disse Lula.

Questão em aberto
No ano passado, o governo italiano enviou pedido de extradição de Battisti, que ainda aguarda julgamento no Supremo. No STF, há divergências sobre a constitucionalidade do artigo 33 da Lei 9.474/97, que trata do estatuto dos refugiados. O artigo reconhece que a condição de refugiado impedirá o seguimento de qualquer pedido de extradição baseado nos fatos que fundamentaram a concessão de refúgio.
Em março de 2007, o Plenário do Supremo debateu o caso de Francisco Antonio Cadena Colazzos, o Padre Olivério Medina, um ex-integrante do grupo guerrilheiro colombiano Farc (Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia).
O ministro Gilmar Mendes, que era relator e foi voto vencido, levantou questão de ordem sobre a independência e separação dos poderes, citando antiga decisão do ex-ministro do STF, Vitor Nunes Leal. No entendimento do ministro, o processo de extradição não deveria ser paralisado por conta de decisão administrativa do Comitê Nacional para os Refugiados (Conare), que é um órgão do Ministério da Justiça.
Para o relator, o Supremo deveria avaliar a natureza do crime e referendar ou não a decisão do Conare. Em crime político de opinião, a extradição é vedada pela Constituição, o que o relator reconheceu no caso.
O então ministro Sepúlveda Pertence abriu divergência defendendo a validade do dispositivo legal para declarar a extinção do pedido de extradição, diante da decisão do Executivo. Para Pertence, as deliberações do Conare não afrontam a competência do Supremo para julgar processo de extradição.
No entanto, os ministros reafirmaram na oportunidade que, se o crime cometido não for político, o processo de extradição não pode ser paralisado. Dessa forma, o Supremo poderá ser obrigado a analisar o caso de Battisti, já que no país não existe diferença entre crime de sangue e crime político. Para a Justiça italiana, o ex-militante cometeu quatro homicídios.

Mais aqui.

2 comentários:

Anônimo disse...

data venia, caro poster, da revista Carta Capital:

O ministro da Justiça, Tarso Genro, ao conceder asilo político a Cesare Battisti, entende que a Itália é um país sem lei e sem justiça, ali não vigora o Estado de Direito. Os fatos indicam outra situação, inclusive que a Constituição italiana de 1948 é uma das mais resistentes do mundo.

Inúmeros filmes mostraram criminosos que fogem para o Brasil para escapar à cadeia. Todos, salvo melhor juízo, mais simpáticos, ou menos perigosos, do que este Battisti, condenado na Itália, por ter sido autor de três homicídios e mandante de outro, em nome de ideais políticos inconsistentes. Como diz Omero Ciai, no La Repubblica, rapina à mão armada, seguida pelo assassinato do rapinado, é crime comum “mesmo quando é cometida com a justificativa de financiar um grupo eversivo, ou de oposição política”.

“Os advogados de Battisti – escreve Ciai –, entre eles Greenhalgh, ligado ao PT do presidente Lula, conseguiram eludir o terreno perfeitamente jurídico, ao organizar sutilmente uma entrevista de Battisti ao semanário Época e ao recorrer ao único argumento destinado a salvar o ex-líder dos Proletários Armados, a ideia de que na Itália funcionam hoje estruturas ilegais e a vida do entrevistado corre risco. Aquilo que por aqui foi tomado como brincadeira risível no Brasil fez a diferença.”

O ministro Genro empenhou-se para entender se aparatos ilegais na Itália do final dos anos 70 tinham ligações com a Máfia e a CIA. Ignorância pura ou má-fé?

Enquanto o terrorismo assassinava Aldo Moro, ou explodia a estação ferroviária de Bolonha e matava mais de 80 inocentes, o Partido Comunista atingia seus melhores índices eleitorais e a ideia do compromesso storico tornava-se viável. Sem meios-termos a esquerda condenava o terrorismo, combatido eficazmente pelo Estado sem invocar e aplicar leis de exceção. Isso tudo é do conhecimento até do mundo mineral.

O argumento de Battisti ter sido julgado à revelia é, sobretudo, estulto. Battisti fugiu e, no Brasil e na Itália, as leis autorizam o julgamento à revelia. Tal argumento, se aplicado pela Justiça brasileira, apagaria os antecedentes criminais e anularia condenações aos milhares. A lembrar algumas aulas básicas de processo, com relação à revelia, recordaríamos que uma nova lei processual não retroage.

Vale acentuar que na Itália, com exclusão de uma ex-brigadista-vermelha, recentemente encarcerada, e de Marina Petrella, também integrante da linha de frente das Brigate Rosse (teve a extradição determinada pela Justiça da França e esta não se efetivou por questão humanitária, ou seja, por grave estado de saúde), nenhum condenado está preso. Todos, por cumprirem parte da pena, receberam benefícios. Muitos dos ex-brigadistas lecionam em universidades, e um deles foi assessor do ex-premier Romano Prodi. Aliás, foi Prodi quem solicitou, na condição de chefe de governo de centro-esquerda, a extradição de Battisti, junto ao nosso Supremo Tribunal Federal.

Por outro lado, espanta o desconhecimento de questões elementares. O ministro Genro afrontou uma decisão soberana do Estado italiano e, simplesmente, a desvaloriza por entender estar baseada em “leis de exceção”. Quanto a estas, o ministro Genro as confunde com emergências geradoras de reformas legislativas, por Congresso eleito pelo povo. Por acaso, as leis brasileiras, modificadas em razão dos ataques do Primeiro Comando da Capital (PCC), ou a sobre crimes hediondos em face da escalada da criminalidade, são leis de exceção? Lógico que não.

Não competia a um ministro da Justiça brasileiro cassar, desconsiderar, valorar como nula, decisão da Justiça italiana. A propósito, destaca Genro ter sido Battisti acusado por um parceiro que se tornou colaborador da Justiça e era testemunha única. No Brasil, como na Itália, vigora o princípio do livre-convencimento do juiz. A medieval regra da prova tarifada, testis unos testis nullos (testemunha única causa testemunho nulo) não se aplica há muito tempo. Ainda: o Brasil importou da Itália o instituto da delação premiada.

Cabem, enfim, umas perguntas. Tarso Genro, que sempre mereceu o apreço e o respeito de CartaCapital, teria sido submetido a pressões irresistíveis? Mas quem teria condições de exercê-las? Por mais que nos esforcemos, só conseguimos enxergar os resistentes de uma esquerda saudosista e obsoleta a trafegar entre a festa e o corporativismo.

Anônimo disse...

Oi Paulo,
Fui relatora, na Comissão Nacional de Direitos Humanos da OAB, do processo envolvendo Cesare Battisti, onde alguns grupos pediam o apoio da OAB na concessão do asilo político.
Votei pela concessão do asilo, acompanhada pelos demais integrantes e digo o motivo.
Dos documentos sob análise, Cesare negava a autoria dos crimes e nada indicava nesse sentido. E mais, à época dos julgamentos, Cesare estava na França e não no Brasil, sob asilo político, posteriormente revogado a pedido do governo italiano quando os socialistas perderam as eleições.
Acho que a Carta Capital faz confusão ao tentar estabelecer conexão entre os grupos de esquerda e os crimes da máfia, como o que vitimou o Aldo Moro, por exemplo.
Pelo sim pelo não, preferimos adotar o princípio constitucional da presunção de inocência.
Não sei como foi o voto da OAB no comitê.
Bjs
Mary