segunda-feira, 12 de janeiro de 2009

Uma cidade envolvida pelas formas do verbo amar


JOÃO CARLOS PEREIRA

Não é difícil gostar de Belém [acima, na foto, do blog, a Praça da República, com o Theatro da Paz ao fundo].
Na verdade, pode-se pular essa etapa da relação e deixar de lado o aperitivo do afeto, a chamada paixão, e passar direto para o verbo amar. Amar Belém é, de fato, como em qualquer encontro de pessoas que querem seguir juntas. Descobrir-se amando é uma descoberta fantástica e não acontece nos entremeios da paixão. Paixão, honestamente, é um mal necessário e ainda bem que passa. E como se trata de um estágio, vai que, um belo dia, a pessoa acorda diferente, pensando nuns olhos, ouvindo, a distância uma voz, sentindo, em todo canto, um perfume diferente de uma pessoa especial. O nome dessa loucura é paixão. Nada a ver com amor, porque passa quase da mesma forma como começou. O que vem do nada, no nada se perde. Amar é uma coisa muito diferente. Amar Belém também é diferente.
Estar numa cidade por amor é decisão de uma vida. E amar essa cidade é estar além do gostar - quase sempre um estado de palermice aguda - porque significa enxergar tudo que não vale a pena e, apesar disso, de coração aberto, dizer: eu fico. A opção por permanecer nada tem a ver com falta de espírito aventureiro, maiores oportunidades de trabalho ou ânsia de felicidade por trás da paisagem. Quem decide ficar em Belém é porque, de verdade, ama Belém.
Para amar Belém não é preciso mais do que um coração aberto aos encantos e aos problemas, também. Esta é uma cidade que se entrega sem necessidade de maiores jogos de sedução ou conquistas. Ama-se Belém porque é quase natural, como sangue e veias, e fica-se não por comodismo, mas por verdadeira opção. Há, para além do aeroporto, muitas portas, à espera de gente que decida entrar. Depois da chamada curva da Castanheira, onde Belém, oficialmente, termina (e começa) abre-se um leque que atende pelo nome de possibilidades. Quem deseja novas paisagens, tem opções. Mas acho que a melhor mesmo é permanecer.
Estar em Belém, morar em Belém e, quando se está fora, voltar a Belém chega a ser um estado de espírito. Sem fanatismos ou loucuras, de achar que se vive no melhor lugar do planeta. Belém é uma cidade cheia de mazelas de todos os tipos, tem um clima terrível e, às vezes, chega a ser cruel com seus filhos. Mesmo sabendo que as coisas funcionam desse jeito, a gente fica. Veja bem: eu disse "fica" e não vai ficando... Quem vai ficando é porque resolveu empurrar com a barriga, até que as coisas melhorem. Igualzinho é no casamento: as pessoas vão levando, levando, levando e, quando percebem, não há mais o que levar e nem para onde levar. Ficar aqui é querer permanecer no afeto incondicional (e lúcido) da realidade.
Talvez eu esteja mesmo é querendo olhar para a face humanizada da cidade que hoje chega aos 390 anos, com um corpinho de 390 e um espírito da mesma idade. Belém é o que é (talvez pudesse ter sido um pouco melhor, não fosse tanta briga política e tanto descaso, o que vem ser, em outras palavras, absoluta falta de amor) e a gente gosta dela assim mesmo. Reparando bem, esta cidade não é apenas nossa casa. Ela é da família. Por isso é tão amada. E se tem defeitos e problemas (e como tem, meu Deus!), a gente gosta do mesmo jeito, como se gosta de uma pessoa. Aliás, como se gosta, não. Como se ama. E como quem ama, ama apesar de, não é difícil amar uma terra tão especial. E se meu e-mail é jcparis e não jcbelem é porque, na época, não sei por que, não foi possível. Alguém já havia registrado esse nome. Mas isso não é problema. Quando o assunto é amor, pode-se falar em divisão, porque o resultado é sempre mais. Muito mais.

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JOÃO CARLOS PEREIRA é professor, jornalista, escritor e membro da Academia Paraense de Letras
jcparis@orm.com.br
João escreveu a crônica quando Belém completou 390 anos.
Mas ela continua atualíssima.
Ela, no caso, tanto Belém como a crônica.

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