Afastadas as considerações de ordem jurídica, que interessam apenas a quem atua no Direito – em seus mais variados ramos, em mais extensas segmentações -, as alegações formuladas pelo professor Édson Franco (ao lado), ao pedir o provimento judicial para ser reintegrado no cargo de reitor da Universidade da Amazônia (Unama), chamam atenção dois pontos que interessam a qualquer um. São dois aspectos que instigam qualquer pessoa a compreender plena e totalmente o sentido das palavras.
Primeiro ponto: a entidade mantenedora da Unama é uma, a entidade mantida é outra.
Segundo ponto: “deixar o cargo” é o mesmo que “renunciar ao cargo”?
Sobre o primeiro ponto, o poster conversou no início da tarde de ontem, por telefone, com o professor Édson Franco. Foi um contato rapidíssimo, mas o suficiente para que ele resumisse muito francamente – com o perdão do trocadilho -, muito singelamente, muito didaticamente a tese defendida na petição inicial levada à apreciação do juiz da 6ª Vara Cível de Belém, Mairton Carneiro, que concedeu antecipação de tutela - espécie de liminar -, reintegrando o professor no cargo de reitor da Unama.
- A nossa tese, em resumo, é a seguinte: a Unespa [entidade mantenedora da Unama] é uma, a Unama é outra.
- Uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa? – perguntou-lhe o blog.
- Exatamente: uma coisa é uma coisa, outra coisa é outra coisa.
O alegado desrespeito ao estatuto da Unespa
A alegação básica, relativamente a esse ponto, portanto, é de que o estatuto da Unespa dispõe expressamente que a escolha do novo reitor deveria ser tomada por maioria absoluta, ou seja, 2/3 dos membros do órgão, que corresponde a quatro membros, e não a três, conforme alega o reitor.
Por esse entendimento, o professor sustenta que se configuraram “diversas desobediências às normas estatutárias tanto da Unespa quanto da mantida Unama”, segundo expressões presentes na decisão do juiz Mairton Carneiro, ao conceder a tutela antecipada que reconduziu o reitor ao cargo.
O que significa “deixar”? E “renunciar”?
O segundo ponto é mais, digamos, curioso. Bem mais - curioso e instigante.
Leia abaixo estes trechos da decisão judicial:
“Verifica-se que na data de 26/08/2008, o requerente endereçou ao Vice Reitor Antonio de Carvalho Vaz Pereira carta comunicando que em razão de discordar de procedimentos adotados pelo Conselho Diretor da UNESPA, estava deixando o cargo de Reitor, discordância essa consoante pode ser constatado se referia à venda da Unama.
[...]
A carta encaminhada pelo Requerente ao Vice Reitor em 26/08/2008 em nenhum momento faz expressa referencia ao termo renúncia ao cargo, mas sim, afirma o Requerente que motivado pela discordância dos pronunciamentos do Conselho Diretor, estava deixando o cargo, transferindo ao Vice Reitor.
Não parece razoável que seja dada interpretação extensiva a expressão “deixo o cargo de reitor” como significado de “renuncia ao cargo de reitor” isto porque, o afastamento do cargo foi motivado pela discordância do Requerente da venda da instituição de ensino e, uma vez que com a publicação da nota oficial da UNAMA de que não haveria mais a venda, deixou de existir as razões que levaram o Demandante a deixar o cargo, isto aliás, é o que se pode concluir com a analise das cartas encaminhadas datadas de 07/09/2008 e 09/09/2008.
Os trechos foram negritados pelo blog.
“Os primeiros momentos com a minha renúncia...”
Vejam, agora, o que disse o professor Édson Franco, na entrevista exclusiva que deu ao Espaço Aberto no dia 1º de setembro, na segunda-feira seguinte ao final de semana em que transpirou publicamente a renúncia – ou a saída, vá lá que seja – do professor Édson.
O blog formulou-lhe a seguinte pergunta e obteve a conseqüente resposta:
Um grupo de alunos está propenso a fazer um abaixo-assinado pedindo o seu retorno à reitoria. O senhor admite a possibilidade de renunciar à renúncia?
Agradeço as várias manifestações que já recebi. Se a entidade mantenedora da Unama desejasse discutir uma gestão eficaz para a Unama e um programa de desenvolvimento e crescimento estaria feliz com isto. No rumo da caminhada, não parece ser esta a idéia maior que preside em determinados ambientes os primeiros momentos com a minha renúncia. Acho até que eu era uma pedra no sapato, especialmente por me dedicar por tanto tempo do dia e da noite à Unama, e aí me lembro de Carlos Drummond de Andrade.
Na resposta, o trecho também foi negritado pelo blog.
Entrevistas e sua posterior veiculação em mídias, como um blog, nem sempre poderão ser tomadas como documento oficiais. Aqui no blog, o professor Édson Franco tratou sua saída como uma renúncia, mas é óbvio que, nos documentos oficiais que encaminhou internamente a seus sócios na mantenedora da Unama, não utilizou o termo renúncia, segundo afirma na petição inicial ajuizada no Fórum Cível de Belém.
Os documentos oficiais a que o reitor se refere são cartas em que noticiou suas decisões aos demais sócios.
E pelo Aurélio?
E aí, “deixar o cargo” é “renunciar ao cargo”? “Renunciar ao cargo” é “deixar o cargo?” Quem renuncia ao cargo deixar o cargo, certo? É claro que sim.
E quem deixa o cargo?
Sim, o ocupante de um cargo pode deixá-lo por divergências, porque foi afastado por outrem, porque expirou o tempo de permanência no cargo, enfim, por inúmeros, por muitíssimos motivos, inclusive porque renunciou ao cargo.
Isso, ao que parece, também é incontestável.
E o que Aurélio, o que diz Aurélio?
Renunciar: 1. Não querer; rejeitar, recusar: 2. Deixar voluntariamente a posse de; desistir de; abdicar; 3. Descrer de; abjurar, renegar.
Deixar: Sair de; afastar-se, retirar-se; Separar-se, apartar-se de; Sair de; desviar-se de; Desistir de; renunciar a; Largar, abandonar; exonerar-se, demitir-se.
Está bem. Vocês vão dizer que nem sempre o sentido literal das expressões, o sentido gramatical, literário ou seja lá o que for, nem sempre, enfim, esses sentidos têm seus correlatos na acepção jurídica.
Renunciar: interpretação estrita
Nesse sentido, ontem à noitinha um leitor aqui do blog, em conversa informal com o poster sobre esse assunto, fez referência ao artigo 114 Código Civil Brasileiro:
Art. 114. Os negócios jurídicos benéficos e a renúncia interpretam-se estritamente.
O dispositivo está no capítulo relativo aos Negócios Jurídicos.
A interpretação estrita da renúncia significa que a renúncia precisa estar expressa, formalmente expressa, inequivocamente expressa, de maneira a não deixar dúvidas, a não provocar dubiedades, a não dar ensejo a interpretações colidentes umas com as outras.
É certo que a renúncia a um cargo qualquer não é um negócio jurídico.
É um ato. Para o ato de renunciar, é preciso a observância de solenidades jurídicas formais para que produza efeitos? O professor Édson Franco, para renunciar ao cargo de reitor, precisaria ter escrito expressamente Renuncio ao cargo de reitor da Unama ou sua confissão de que deixou o cargo pode ser interpretado como sua renúncia?
A renúncia é mais ou menos definida assim: abdicar, abrir mão de direitos. Em sentido estrito, é o ato jurídico pelo qual alguém abandona um direito, sem transferi-lo a outrem. É ato unilateral, e, por isso, independe de aceitação. Além de unilateral, é irrevogável e não se presume, devendo, portanto, ser expresso.
“Deixar o cargo” ou “renunciar ao cargo” – eis a questão.
Uma questão interessante a ser debatida juridicamente.
Muitíssimo interessante.
3 comentários:
Penso que muito mais importante do que tentar interpretar o sentido do afastamento manifestado pelo Prof. Edson Franco ("deixar" ou "renunciar" o cargo), é a relevante circunstância de que o seu ato de suposta renúncia está evidentemente eivado de ERRO, que constitui um defeito ou vício do ato ou negócio jurídico, tornando-o nulo, à luz da legislação e do direito.
Em suma, o erro na declaração de vontade não gera direitos, conseqüências ou efeitos.
Portanto, é irrelevante, no caso, se o seu pedido de retorno à Reitoria foi apreciado por órgão incompetente, como se alega.
Também é irrelevante que tenha sido mesmo manifestada declaração expressa de "renúncia".
O mais importante, a meu ver, é que um ato ANTERIOR a tudo isso está contaminado de defeito ou vício de consentimento.
Explico: a "renúncia" do Prof. Edson Franco deu-se em virtude da comunicação, pelos demais sócios da UNAMA (ou sua entidade mantenedora), de que a instituição seria VENDIDA - contra o que se ele posicionou.
Ora, se poucos dias depois a UNAMA publica uma nota oficial no sentido de que a informação não era verdadeira, isto é, que a UNAMA não estava à venda, segue-se que o ato de afastamento do Prof. Edson Franco emanou de ERRO SUBSTANCIAL, senão de dolo praticado por aqueles que forjaram a situação que deu motivo à atitude do Magnífico Reitor da Universidade da Amazônia, ora reintegrado no cargo por decisão judicial liminar.
Alguém já refletiu sobre a tese do erro na declaração de vontade do Prof. Edson Franco?
Não há nada que refletir.
É critalino que não houve ERRo nenhum. É golpe, mesmo.
Se houve erro, então ele está senil, mesmo e já é hora de parar.
Acontece que todo mundo erra. E errar não constitui senilidade ou incapacidade, mas vício ou defeito de consentimento na declaração de vontade, que torna nulo o ato.
Só Deus é infalível.
O erro foi motivado pela informação falsa de que a UNAMA seria vendida. Se não houve erro, houve evidente dolo, que também torna nulo o ato de "renúncia".
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