sexta-feira, 3 de abril de 2009

Os PSMs de Belém expressam a degradação humana

O juiz federal Antonio Carlos Campelo não precisou de mais de nove laudas para decretar o que, na prática, é uma intervenção do Poder Judiciário no caos em que se transformou a Saúde pública no Município de Belém.
A intervenção sobressai no próprio alcance, na própria extensão da decisão tomada ontem: o bloqueio de R$ 17,8 milhões em recursos próprios do município e a proibição de que a administração Duciomar Costa manuseie repasses futuros de verbas federais destinadas à Saúde. Quem terá essa atribuição é uma comissão composta por três pessoas, uma indicada pelo governo federal, outra pelo governo do Estado e outra pela Prefeitura de Belém, sob o acompanhamento do Ministério Público Federal.
É uma intervenção, sem dúvida.
Uma intervenção que tenta encontrar uma saída para o que verdadeiramente deteriora, para que o verdadeiramente contamina a Saúde pública no município: a falta de gestão.
Os pronto-socorros estão cheios de pacientes?
Estão.
A demanda é enorme?
É enorme.
Os pronto-socorros recebem do interior pacientes que poderiam ser tratados por lá mesmo?
Recebem.
Os PSMs estão inchados, estão cheios de pacientes que a rigor não deveriam ser atendidos lá, ou seja, não atendem ao perfil de um paciente que deve receber atendimento de urgência e emergência num pronto-socorro?
Realmente, os PSMs estão inchados de pacientes fora do perfil.
Isso é uma parte da história.
Apenas uma parte.
Há coisas que independem disso.
Independem completamente de demandas enormes, de pacientes vindos do interior do Estado, de enorme demanda de pacientes com perfil inadequado para atendimento num PSM.
Primeiro: a administração municipal não “tem prestado informações acerca da destinação da verba pública federal”. Observem que esse é um trecho da decisão judicial que proferida ontem. Falta de transparência é um problema claro de gestão. Nada tem a ver com perfis inadequados, com gente vinda do interior e tudo o mais.
Segundo: os pronto-socorros de Belém – os dois, tanto o da 14 de Março como o do Guamá – não têm qualquer autonomia financeira. Não têm. Para que possam adquirir até um pedaço de gaze, de esparadrapo ou um cotonetezinho, precisam pedir licença à majestade em que se transformou a Secretaria de Saúde do Município. Falta de autonomia financeira emperra a administração dos PSMs e indica claramente um problema de gestão.
Terceiro: na inspeção judicial que foi feita na última terça-feira, tanto o juiz federal como os procuradores da República, procuradores do Município de Belém e da Advocacia Geral da União, além de dezenas de jornalistas, viram claramente banheiros completamente deteriorados. Aquilo não são banheiros. São chiqueiros. Chiqueiros: sem forro, sem janelas, sem pias, com infiltrações, com o reboco das paredes se desfazendo, com chuveiros imprestáveis. Banheiros com a indicação de “Ocupado” nas portas, quando em verdade aquilo significava “Interditado”, ou seja, imprestável, impróprio para o uso. O que é isso? É falta de gestão.
Quarto: enquanto não havia chuveiro em vários banheiros do PSM da 14 de Março ou enquanto vários chuveiros apresentavam problema, naquele mesmo momento, a alguns metros dali, no Almoxarifado do PSM da 14 de Março, o juiz, os procuradores e quantos mais acompanhavam a inspeção constataram que havia chuveiros novinhos em folha à espera de uso. O administrador não repôs os chuveiros por quê? O que isso tem a ver com alto fluxo de demanda? O que isso tem a ver com pacientes fora do perfil que incham a demanda dos PSMs?
Quinto: no dia da visita feita ao PSM do Guamá, informou-se que faltam seis intensivistas para trabalhar nas UTIs. Vocês já pensaram o que é isso num hospital com demanda acima da média como é um pronto-socorro de Belém?
Por isso é que, com tudo isso, os PSMs de Belém representam a visão – pelo menos aproximada – do apocalipse.
Os PSMs de Belém expressam a degradação humana elevada à enésima potência.
Os PSMs de Belém, na situação em que se encontram, fazem com que uma gente tenha vergonha de ser gente, que um ser humano tenha vergonha da condição de ser humano.
Os PSMs de Belém, na situação em que se encontram, expressam a declaração, o atestado, a comprovação fática de que há uma inapetência absoluta para gerir recursos públicos e uma absoluta ausência de políticas de gestão compatíveis com um setor tão problemático, tão nevrálgico como esse da Saúde pública.
Quem constatar com os próprios olhos, nos PSMs de Belém, o que constataram dezenas de pessoas - jornalistas inclusive – que acompanharam a inspeção judicial da última terça-feira, e que foi decisiva para embasar a decisão judicial do juiz federal Antonio Carlos Campelo, jamais esquecerá de ter visto um ambiente que não é indicado nem para animais. Nem mesmo para animais, quanto mais para seres humanos.
Para situações extremas, medidas extremas.
A intervenção na Saúde do município pode até ser uma medida extrema.
Mas é uma medida extrema para uma situação extrema.
Sem dúvida que é.

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