quarta-feira, 14 de janeiro de 2009

“A revolução democrática já está em andamento”

Revolução democrática é possível?
É sim.
E quando começa?
Já começou, está em curso, está em andamento.
“A revolução democrática é a busca da transformação social através das instituições democráticas, do exercício dos direitos políticos, com protagonismo popular. Ela está em curso no país, embora iniciante”, diz Leopoldo Vieira (na foto), editor do blog Juventude em Pauta, que está entre os favoritos aqui do Espaço Aberto.
Leopoldo – ex-secretário Nacional Adjunto de Juventude do PT, ex-secretário de Políticas Públicas do Conselho de Juventude do Estado do Pará e ex-assessor de Juventude da Casa Civil do Governo Ana Júlia Carepa - vai expor suas idéias, suas teses, suas avaliações, seus conceitos e suas projeções no livro “A Juventude e a Revolução Democrática”, um pocket de leitura fácil, conteúdo denso e voltado à ação política.
O livro tem 100 páginas, vai ser lançado dia 21 deste mês, às 19h, no Boteco da Computer Store, e é fruto de projeto editorial do próprio Leopoldo com alguns amigos, num selo vinculado ao blog Juventude em Pauta.
Em entrevista ao Espaço Aberto, Leopoldo fala de juventude, de política, de revoluções e diz qual o principal acerto e o principal erro do governo Ana Júlia.
A seguir, a entrevista.

Espaço Aberto - "A Juventude e a Revolução Democrática" é o título de seu livro. A juventude pode mesmo ser revolucionária? E pode fazer uma revolução democrática?
Leopoldo - A juventude não é intrinsecamente revolucionária, nem rebelde. Isso é um estereótipo emanado de papéis decisivos que ela desempenhou em alguns momentos da História, principalmente no Maio francês, no combate à ditadura militar no Brasil, na Primavera de Praga, em processos como a Revolução Francesa, Russa, a Cabanagem - na qual uma boa parte dos lutadores, conspiradores e dirigentes era jovem - ou mesmo na criação da Bossa Nova, Tropicalismo, rock dos anos 80, por aqui, e o Woodstock, o movimento hippie, punk etc mundo afora.
Há que se separar uma vanguarda juvenil que liderou esses processos com o que podemos chamar de "jovem comum". Esse, no Brasil, sempre teve sonhos prosaicos: encontrar uma boa moça ou rapaz para casar, ter um bom emprego, construir um lar, ter um carro e assim por diante.
Agora, pode ser, sim, revolucionária. Afinal, enquanto grupo social, a juventude corresponde a 30%, um pouco mais, da população brasileira, tem força e é a fase da formação da opinião, da personalidade, do caráter, dos gostos e da transição entre a autonomia e a heteronomia, ou seja, a questão do ser sustentado e se sustentar. Porém, pode cumprir função inversa: manter o status quo. Quem não lembra da Juventude Hitlerista? Ou então a onda dos jovens sexualmente abstêmios por religiosidade? Por isso é que a juventude sofre uma disputa acirrada: pela esquerda, pelo mercado, pelas igrejas. Junte isso à condição juvenil brasileira, ainda marcada menos pelo signo, e mais pela presença na faixa de necessidade, pela irrealização desse sonho prosaico.
A revolução democrática é a busca da transformação social através das instituições democráticas, do exercício dos direitos políticos, com protagonismo popular. Ela está em curso no país, embora iniciante. Portanto, a juventude politizada pode e deve fazer a revolução democrática, ser impulsionadora desta, mas principalmente encontrar seu lugar nela, sua agenda, suas tarefas. Quando cito a relação entre juventude e revolução democrática, estou pensando numa estratégia dos jovens politizados, dos jovens políticos para solucionar democraticamente a condição juvenil.

O jovem, hoje, está bem informado e, mais do que isso, está bem formado para fazer uma revolução democrática?
Não acho que informação e formação seja o ponto de partida. As transformações sociais acontecem quando se reconhece que a vida está ruim, péssima e que isso não tem nada de divino ou natural e, portanto, pode ser alterado. Aí surge o fenômeno da consciência, que nada tem a ver com a conversão ao cristianismo ou ao leninismo. Tem a ver com o reconhecimento da sua condição real na existência e a opção por mudá-la ou preservá-la. Esse é o fundamento dos choques entre classes e grupos sociais. Vou usar dois exemplos que dialogam com nosso tema: transformação social e juventude. O que produziu a O-Generation nos Estados Unidos não foi primordialmente o uso inteligente das tecnologias informacionais que os jovens americanos, apesar dos pesares, têm acesso, não foi a internet, e sim a capacidade do candidato Democrata [Barack Obama] dialogar com as novas demandas daqueles jovens, principalmente a questão do financiamento dos estudos e a permanência na universidade por questões financeiras. Até recentemente, se dizia que o problema dos jovens nórdicos, japoneses eram as taxas de suicídio. A vida estava tão confortável, segura e plena que eles se deprimiam. Hoje, a Grécia está explodindo, num rastilho de pólvora que incendiou toda a Europa Ocidental Eles não estão reivindicando dormir com suas namoradas na universidade. Estão pautando é o financiamento dos estudos que está ameaçado, ou a absorção de seus tantos títulos pelo mercado de trabalho. Então nem a onda jovem pró-Obama e nem esse novo "poder jovem" europeu - que aliás já tinha estourado nas periferias de Paris, nos bairros de imigrantes por motivos semelhantes, só que mais precários - emanou da formação ou da informação, mas da condição juvenil nestes países.
Agora, se utilizarmos outro conceito de formação e informação, mais como sinônimos de politização, de interesse, posso responder afirmativamente à pergunta, pois os jovens brasileiros assistem ao noticiário, ao horário político, formam parte considerável de seus pontos de vista nas lan houses nas periferias que habitam, têm preferência por partidos políticos (PT e PMDB na frente), manifestam vontade de participar, apesar de serem incrédulos quanto aos resultados dessa participação, acreditam que a política influi muito em suas vidas e, o melhor de tudo, 80% dos jovens brasileiros - confiram essa e outras estatísticas no livro - acreditam que podem mudar o mundo.
Os movimentos juvenis, juventudes partidárias, juventudes de movimentos sociais etc. precisam responder a isso com uma estratégia. E a bifurcação que apresentei na primeira pergunta aparece aqui de novo, porque há uma parcela grande dos jovens que, além de concordar com a tese de que "todos os políticos são iguais", um debate que o livro aborda, tendem a apoiar saídas ditatoriais ou autoritárias para esse dilema. E é interessante que, na minha opinião, o padrão clássico dialoga involuntariamente com essa turma. Ao invés de fortalecer esses sinais e vontades positivas da maioria dos jovens brasileiros e acumular força para viabilizar o prosaico sonho juvenil do país, exercendo as possibilidades democráticas, optam por tentar repetir como farsa a saga de 1968, dos anos 80.

Você é um jovem que nasceu nos anos 80. Qual é a sua referência de militância estudantil? É a de Maio de 68? É dos caras-pintadas? É a da UNE, quando a UNE foi uma das frentes de resistência e de contestação à ditadura militar?
Considero muito interessantes os "caras-pintadas" porque, além de serem um movimento de multidões, ele foi uma insurreição dos estudantes contra a corrupção sem denunciar, pelo contrário, a política, os políticos e a democracia. Discordo de quem diz que aconteceu porque passava a minissérie Anos Rebeldes, na Globo. Tanto é que, em 2006, a famiglia Civita, por todos os seus meios, tentou emplacar uma campanha pela abstenção nas eleições, reproduzindo o senso comum de que "todos não prestam", "são corruptos" em analogia ao dito "mensalão", MTV "superaudiência-jovem" à frente. E o resultado foi um enorme alistamento eleitoral da turma de 16 anos e uma grandiosa participação da juventude. Mas são muito recentes e com alcance limitado. Sobre o Maio de 68, eu não consigo desvincular do que ele foi no Brasil. Qualquer referência para mim tem que considerar o país, a brasilidade, entende? Meu herói, digamos assim, é o Apolônio de Carvalho. A referência no Maio parisiense, como uma espécie de epopéia exclusivamente preferencial, para mim é conversa de alienado, conforme a “Veja”, numa simpática edição especial sobre os anos 60, ainda sob o comando editorial do Mino Carta, dizia ser o conceito dos estudantes: todos os que não usassem a palavra seriam taxados por ela. Claro que o ano de 1968, com tudo o que partiu da vanguarda juvenil, em vários cantos do planeta, foi a principal revolução da humanidade, mesmo incompleta e derrotada no tempo em que aconteceu. Mas acho que referenciar minha militância naquilo seria farsante - porque eles cumpriram os desafios deles e nós temos os nossos, criados a partir da herança deles – e está, por isso, à margem da minha época. Pensando no 1968 brasileiro, embora considere extraordinariamente heróicos aqueles jovens, eles foram assassinados, espancados, torturados, desaparecidos. Aquele imenso idealismo e criatividade tiveram esses quatro elementos como resposta. E por quê? Porque mandavam no Brasil oficiais militares corrompidos por consórcios empresariais brasileiro-estadunidenses. Então, além de violentados fisicamente como foram, também, ao não conseguirem vazão ao idealismo por dentro do Estado, da sociedade, naqueles dias - pois não estou discutindo quem ao final venceu -, eles foram esmagados neste plano também. Logo, estou entre os que os admiram, mas não entre os que gostariam de entrar na máquina do tempo e descer lá.
Então, eu sou muito referenciado pela minha época, pelo desafio de materializar a utopia de um país desenvolvido via investimento geracional, que solucione politicamente a condição juvenil atual do Brasil através das políticas públicas e direitos para a juventude. Utopia esta que não vejo como "utopia de jovem para jovem", mas que pauto como possibilidade de debate estratégico central das esquerdas, do centro progressista e até da direita democrática.

Qual é, basicamente, a "estratégia da juventude para nossos dias", conforme expressão que você utiliza em seu livro?
Bom, Paulo, seu eu disser isso eu acabo com o livro, que já é um pocket, né? Mas, grosso modo, ele não é pária da mediocridade pretensamente científica academicista (o que não quer dizer que os acadêmicos sejam todos medíocres); não se propõe a assinalar uma "teoria geral da juventude". É, sim, um encorajador da ação política, lançando um esboço propositivo de estratégia para a juventude politizada no contexto da democracia brasileira.

Você sempre teve uma ativa participação no PT, inclusive no início do atual governo. Qual é a avaliação que você faz do governo Ana Júlia? Qual o grande acerto e qual o grande erro do governo Ana Júlia, na sua avaliação?
A Ana é uma pessoa bem intencionada e sensível. Enquanto essas qualidades existirem, há possibilidade de melhora. O grande acerto do governo é o Bolsa-Trabalho. Vai no foco, com a metodologia correta e resolve o problema que se propõe: preparar minimamente o jovem para uma vaga formal no mercado. É o que mais faz a governadora dar boas notícias é ter visibilidade. Recentemente, até receberam prêmio. E é paradoxal porque o governo segue mal nas políticas públicas de juventude, a equipe tem pouca competência, acúmulo. A diferença do Bolsa está na concepção e na coordenação. O grande erro é, para mim, um "samba de uma nota só": gestão e articulação política. É visível a fragilidade.

2 comentários:

Anônimo disse...

Paulo Bemerguy,

De longe Leopoldo é o melhor quadro político jovem do estado e com certeza um dos melhores do país. O mais espetacular é que ele põe todo seu vigor intelectual a serviço da classe jovem ao invés de tentar aparecer como uma estrela política convencional, o que mostra o compromisso que ele tem com quem é da mesma condição que ele.
Parabéns a você pela entrevista.

Anônimo disse...

Mais uma vez Leopoldo Vieira solta seu teclado afiado para defender a juventude, com idéias modernas e sempre heréticas e heterodoxas. Muito bem, assim que se vê quem veio ao mundo a passeio e quem tem algo a dizer. Uma pena que ainda seja incompreendido, mas como acontece com todos os grandes, suas teses sobre a juventude, excelentes por sinal, prevalecerão!