terça-feira, 25 de novembro de 2008

Juiz rejeita liminar em ação proposta contra três jornais


O juiz Marco Antonio Lobo Castelo Branco, da 2ª Vara da Fazenda Pública da Capital, rejeitou a concessão de liminar para impedir que os jornais O LIBERAL, Diário do Pará e Amazônia Jornal divulgassem “fotos e imagens de pessoas vítimas de acidentes ou mortes brutais e demais imagens que não se coadunem com a preservação da dignidade da pessoa humana e do respeito aos mortos.”
O magistrado mandou notificar o Sindicato dos Jornalistas e a Associação Nacional de Jornais para acompanharem o processo. Mandou ainda intimar o Ministério Público para que participe da lide.
De uma olhada nas imagens – que mostram a parte inicial e final da decisão do magistrado – e clique nelas, para visualizá-las melhor.
A liminar foi pleiteada em ação civil pública ajuizada pela Secretaria Estadual de Justiça e Direitos Humanos-, República de Emaús (Cedeca) e Sociedade Paraense de Defesa dos Direitos Humanos (SDDH).
O magistrado, em sua decisão, reconhece que “a solução para o caso concreto não é simples”. Considera que, pela complexidade da questão levada à apreciação do Judiciário, é necessário um amplo debate que envolva “outros setores da sociedade”, e não fique, dessa forma, restrito aos jornais e aos autores da ação.
A questão principal é saber os limites da liberdade de expressão, especialmente quanto a fatos, fotos e símbolos utilizados comercialmente pelas empresas jornalísticas, nota o magistrado.

“Bizarrice e morbidez” dispensam fotos
Além de questões estritamente constitucionais e legais, o tratamento jornalístico a matérias que mostrem fotos e imagens de cadáveres exige, segundo o magistrado, considerar “questões éticas a serem discutidas, que transitam por uma cultura popular que lamentavelmente, independente da divulgação destes fatos por jornais que raramente podem ser comprados por pessoas mais simples, continuam a ser alimentadas pela bizarrice da morbidez de certos núcleos da sociedade.” Marco Antonio Castelo Branco ressalta que a liberdade de expressão no Brasil, “embora sujeita a limitações, estas somente podem ocorrer nas exceções previstas na própria Constituição.”
O juiz menciona, no entanto, vários autores para acrescentar que “a liberdade de expressão num contexto que estimule a violência e exponha a juventude à exploração de toda a sorte, inclusive a comercial,tende a ceder ao valor prima facie prioritário da proteção da infância e da adolescência. Portanto, os ilustres autores são bastante claros a demonstrar que a estimulação à violência, exposição à exploração de toda a sorte, são elementos limitadores da liberdade de expressão.

“Não é crível que fotos estimulem a violência”
Ressalta o magistrado: “A primeira questão a ser colocada diz respeito a um contexto de estimulação à violência. Não é crível que a divulgação de tais fotos, embora chocantes, indignas, aviltantes, perversas, sejam a real razão da estimulação à violência. É o caso de se perguntar se a mão forte do Estado, ao impedir a divulgação de tais fotos inibiria tal violência. A resposta não exige grande raciocínio no sentido de ser negativo.
Em segundo lugar, continua o juiz, “a proteção à criança e adolescência deve começar no interior do próprio lar, ou seja, tão responsável quanto o Editor do jornal é aquele que carrega para o interior de sua residência o espetáculo mórbido e macabro sujeito a cair nas mãos de seus filhos, o mesmo se aplicando à falta de controle do acesso que estes filhos têm em relação a terceiros. Bastasse a mão forte do Estado e, a infância e juventude não seria presa fácil nas mãos de traficantes. Quanto ao segundo aspecto, não entendo que a juventude esteja exposta à exploração de toda sorte. Não neste caso específico, inaplicável ao caso concreto.”

Familiares podem ingressar com ações cíveis
Quanto à dignidade da pessoa humana em relação aos que são expostos nas fotos, bem como seus familiares, o juiz entende que não é caso de limitar a liberdade de imprensa com a simples proibição da publicação das fotos. Em tais casos, diz Castelo Branco, cabem as pertinentes reparações cíveis necessárias previstas em lei.
Destaca o magistrado: “O que me parece bastante claro é que a leitura de tais periódicos não é um ato compulsório. Os citados jornais têm um preço de capa. O que a sociedade ainda não atinou é que, como dizia Oscar Wilde, não é difícil saber o preço das coisas, difícil é não conhecer o valor de suas essências, resumindo, sabe-se o preço de tudo e não se conhece mais o valor de nada. Uma boa leitura de Noam Chomsky ajudaria talvez a entender o fenômeno local desta distorção cultural que agride aos estômagos e mentes mais preparados para a convivência com a civilidade. Entretanto, eticamente, nenhum aspecto mercadológico justificaria a exposição de tanta violência.”

O preço a pagar pela liberdade de expressão
Mesmo assim, observar o magistrado, “deve-se correr o risco de enfrentar tal liberdade [de expressão] com suas vicissitudes a limitar-se tal direito constitucional, sob pena de abrir-se um precedente que, em nome da dignidade, da moral e dos bons costumes, possa contaminar a ordem jurídica com repercussão no dia a dia da sociedade.”
Castelo Branco reconhece que é necessário estimularem-se “políticas públicas em que se busque a formação de leitores críticos, e não é com a força da caneta do Poder Estatal que se conseguirá isto. A história já provou tal fato, pois a Imprensa, embora tenha força suficiente para influir, foi uma das poucas instituições que escapou ao assédio de Bonaparte. Ante o exposto, indefiro a liminar pleiteada.”

2 comentários:

Anônimo disse...

Creio que o mais importante já está sendo feito: colocar o assunto em pauta; debater; discutir; ouvir e ser ouvido.
Mas que se faz necessário pensar e repensar essa "hemorragia-impressa", não há a menor dúvida.
Que tal uma pincelada de bom senso?

Anônimo disse...

Querido Bemerguy!
Muito sensato o despacho do juiz Marco Antonio. Mas, pessoalmente, eu observo sensacionalismo na publicação de determinadas fotografias nas páginas policiais. Há doses de exagero e sabemos que é para vender jornal em cima da desgraça alheia. Parece-me que isso, infelizmente, vem crescendo. Às vezes, eu me recuso a ler os cadernos de Polícia.
Concordo que não é o caso de colocar o peso da Justiça sobre a escolha das imagens. É o caso, sim, de bom senso, de respeito à ética, de olhar jornalístico sobre tragédias e dramas pessoais. E temos excelentes repórteres fotográficos que sabem executar perfeitamente essa tarefa.
Fico na torcida para que nossos jornais pensem e repensem sobre esse fato, para o bem comum.