terça-feira, 9 de outubro de 2012

Mestre da sutileza


Exatamente por essa época, lá pelos idos de 2009, a cidade já respirava o natal dos paraenses, o Círio de Nossa Senhora de Nazaré. Frequentava o Baú Bistrô, do amigo e cronista Denis Cavalcante, e em um dos muitos papos, falava da admiração que tenho pelo jornalista e escritor Zuenir Ventura e que já tinha lido dois de seus livros, 1968 - “O ano que não terminou” e “1968 - O que fizemos de nós”. E se houvesse oportunidade, gostaria de conhecê-lo pessoalmente.
Às sextas-feiras, com pontualidade quase britânica, comparecia ao bar do Baú, local que elegi com o amigo Pimentel, para as libações alcoólicas, como ele gostava de se expressar. Alojávamo-nos no terceiro setor onde ficava o Baú do Livro, um sebo que tinha de um tudo, inclusive raridades. E numa dessas garimpagens, encontrei um livro do mestre Zú, “Cidade Partida”, Companhia das Letras, edição de 1994. Por curiosidade, comecei a folhear o livro e lá encontrei o autógrafo do autor, feito no ano do lançamento, no Rio de Janeiro a uma leitora amiga. Comprei o livro e depois o li.
Um dia, antes de sorver a primeira taça de cerveja, a curiosidade falou mais alto e lá ia eu para mais uma garimpagem. E mais uma vez fui premiado ao encontrar outra obra do mestre Zú, “Minhas Histórias Dos Outros”, Editora Planeta do Brasil, edição de 2005. Óbvio, comprei e também o li. Gosto muito do estilo e da sensibilidade do Zuenir, um dos mais brilhantes jornalistas de nosso tempo. Como ele mesmo diz: “Não viemos à Terra para julgar, nem para prender ou condenar, viemos para olhar e depois contar. Não somos juízes, não somos promotores, somos jornalistas, somos testemunhas de nosso tempo, uma testemunha crítica, não necessariamente de oposição, mas implacavelmente crítica”.
A leitura é, sobretudo, um exercício de interpretações pessoais. O resultado é cativante. Uma noite, lendo, e já quase para dormir, era próximo das 23h, o celular tocou. Era o Denis: “Gostarias de conhecer o Zuenir? Ele está na Feira do Livro (no Hangar) e vem jantar aqui no Baú”. Não tive dúvida. Um banho para espertar e segui para o Bistrô. Dessa vez, ficamos na área livre. Próximo da meia-noite, eis que chega Mestre Zú. Denis nos apresentou e logo em seguida, com a intimidade que tinha com o cronista, solicitou sua cerveja de eleição: “Denis, cadê a cerpinha?” Para encurtar a história, varamos a madrugada conversando. Zuenir é o papo, a noite não poderia ter sido melhor.
No ano seguinte, ele retorna nessa mesma época para a Feira do Livro (no Hangar), agora acompanhado do Luiz Fernando Veríssimo, ambos com suas esposas. Telefonei para o Denis, que teve a gentiliza de me apanhar e me levar até ao Hilton Hotel, onde estavam hospedados. Saí de casa com uma mochila com alguns livros do Zuenir (inclusive, aquele já autografado e que recebeu um segundo autógrafo) e também alguns do Veríssimo. Tiramos fotos e tive todos os livros autografados.
Recentemente, concluí a leitura de seu último livro, “Sagrada Família”, lançado pela Alfaguara. Romance de forte fundo autobiográfico, Zuenir explora com malícia e sutileza as entranhas do Brasil de 1940. O garoto, que narra a história, diz ter perdido ali a sua inocência. Só ao final da leitura, porém, o leitor terá a real dimensão do significado dessa expressão no Brasil nos anos da Segunda Guerra Mundial. Inocência, no caso, é um termo que está relacionado à moral e hipocrisia. O certo é que vale a pena ler Zuenir.

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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com

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