domingo, 22 de março de 2009

Na Terra de Direitos, o direito ao vandalismo

É impressionante como, nesta Terra de Direitos, há tantos direitos a garantir que não se sabe mais direito a quem distribuir direitos.
Nesta Terra de Direitos, há tantos direitos que até se confundem – ou esquecem – quanto aos direitos básicos a serem cumpridos.
Como o direito ao Estado de Direito, por exemplo.
Como o direito da sociedade de ver cumpridas as decisões judiciais, por exemplo.
Como essas confusões ou esses esquecimentos nunca se desfazem completamente, temos por aqui aberrações que, por serem aberrações, assustam a gente.
Assustam e repugnam.
Vejam o caso dessas torcidas ditas organizadas.
Estão proscritas.
Proscritíssimas.
Estão nessa condição por força de decisão judicial.
Qual decisão?
A sentença prolatada em novembro de 2007 pelo juiz Marco Antônio Lobo Castelo Branco, que determinou, no âmbito de ação civil pública ajuizada pelo Ministério Público do Estado, a extinção das torcidas organizadas Grêmio Recreativo e Social Terror Bicolor e Associação Desportiva Independente Torcida Organizada Remoçada.

Diz o magistrado, num dos trechos da sentença:

No Pará, no dia 22 de abril deste ano, Felipe Matheus Lima de Almeida, de 11 anos, foi alvejado minutos antes de ingressar no Estádio Olímpico Estadual para assistir à decisão do returno do campeonato estadual entre Remo e Paysandu atingido por um rojão reforçado com pequenas petecas de aço, usadas em jogo de bola de gude. Uma dessas petecas penetrou seu crânio. Dois dias depois faleceu após seguidas paradas cardíacas. O acusado do disparo foi preso. Era um remista em briga de facções de torcidas. A criança sepultada era torcedor do Paysandu e estava realizando o sonho de ir pela primeira vez a um estádio de futebol ver seu time do coração.

Outro trecho:

No caso trazido a juízo observa-se que as duas torcidas organizadas conhecidas como Remoçada e Terror Bicolor há muito vêm patrocinando badernas e desordens tanto dentro quando fora dos estádios de futebol. A alegria das arquibancadas é antecedida de cruentas batalhas campais nos pontos de ônibus a caminho dos estádios, durante as partidas com o grito de guerra que não esconde de ninguém o ódio recíproco, falando inclusive em morte e assassinatos e após as partidas exigindo que todo o aparto de segurança pública seja deslocado para tentar evitar as manchetes pintadas de carmim na segunda-feira. Tais fatos são públicos e notórios. Bastaria a rigor que se aplicasse aqui o artigo art. 334, inciso I do CPC que afirma não dependerem de prova os fatos notórios. Quem mora nesta cidade lamentavelmente já se acostumou ao noticiário local dando conta da beligerância entre as duas torcidas.

Mais outro:

As Torcidas Organizadas têm o objetivo de incentivar seus clubes de coração. De organizar e incentivar seus times em momentos de dificuldades e brilhar com eles nos momentos de glória. Entretanto, o comando de tais torcidas não consegue ter controle sobre seus membros. Alega que são uma meia dúzia de infiltrados que contaminam o grupo e que não são porta-vozes das organizadas. Esquecem-se os dirigentes de tais torcidas que foram omissos em não buscar uma solução inteligente. Não quiseram cortar na carne.

Outro mais:

Esses grupos de baderneiros devem ser afastados não só dos estádios, mas, de uma maneira geral de todo e qualquer lugar que ofereça risco à população. Não há dúvidas de que se nosso futebol está moribundo, os primeiros acordes do réquiem da agonia foram compostos por estes torcedores desvairados, falsos torcedores que afastam as futuras gerações dos estádios. Os próprios nomes das torcidas são uma verdadeira homenagem aos egos deslumbrados dos delinqüentes. Remoçada, segundo o Dicionário Aurélio, significa que remoçou ou rejuvenesceu, que adquiriu novo vigor, revigorado. Revigorados de quê? De que batalha? Da guerra Cisplatina? Os farroupilhas não merecem tal agravo. Nem a República Rio-Grandense. Da dor de ver seu clube cair outra vez para a última divisão do campeonato brasileiro? Não. Rejuvenescidos sim pela impunidade.

Outro ainda:

A outra ré chama-se Terror Bicolor. É isto mesmo. Terror Bicolor. Como um clube de tantas e gloriosas tradições, alegria e orgulho de milhões de paraense pode ser de alguma forma representado em estádios por uma torcida que se chama Terror? O nome de fato faz jus a toda sua trajetória. Não precisaria dizer mais nada. Não é à toa que a palavra terrorismo, um substantivo masculino, é descrito por Francisco da Silveira Bueno como o sistema de governar pelo terror. E esta última significa grande medo, pavor, qualidade de terrível. Que saudade do tempo em que só quem padecia era o grande Peñarol. Por que não seguem o exemplo de Elza Soares, apaixonada pelo Paysandu, cujo nome é uma homenagem ao nobre sentimento que anima sua torcida organizada? Sua torcida chama-se Payxãonossa. É um exemplo a ser seguido entre outros.

E por fim, o dispositivo da sentença, ou seja, a parte em que o magistrado impõe a pena condenatória:

Ante o exposto e por tudo o mais que dos autos consta julgo procedente o pedido do Ministério Público para determinar a extinção das torcidas organizadas, GRÊMIO RECREATIVO E SOCIAL TERROR BICOLOR E ASSOCIAÇÃO DESPORTIVA INDEPENDENTE TORCIDA ORGANIZADA REMOÇADA, ficando confirmada a antecipação de tutela de suspensão até o trânsito em julgado da sentença, ficando dissolvidas as referidas associações. Determino ainda que se proceda ao cancelamento de seus respectivos atos constitutivos e posteriores alterações nos Cartórios de Títulos e Documentos. Fica desde já determinada a extensão da antecipação da tutela para impedir que qualquer torcedor ingresse nos estádios paraenses com qualquer material alusivo à expressão Terror Bicolor, incluindo-se as homônimas que nada mais são senão uma fraude à execução da sentença, como por exemplo a Terror Fiel Bicolor. Saibam os integrantes de tais agremiações que estão na ilegalidade, na ilicitude, ao lado do crime acaso insistam na existência clandestina ou disfarçada de tais torcidas estando sujeitos á leis penais, inclusive por desobediência a esta sentença, sem prejuízo da cobrança da multa.

E aí?
Essas torcidas foram, digamos, rebatizadas.
É mais ou menos como se Fernandinho Beira-Mar, um dos maiores facínoras do país, fosse condenado, mas trocasse de nome, de identidade e continuasse por aí, a praticar crimes de toda ordem com outra identidade. E nessa condição ainda desfrutaria do privilégio de ser ouvido, de ser consultado em algumas ocasiões.
É mais ou menos isso.
Pois as ditas “organizadas” rebatizaram-se e ganharam o direito de ser ouvidas, consultadas, levadas em consideração pelos órgãos da segurança pública.
Na última sexta-feira, por exemplo, um militar responsável pelo esquema de segurança de hoje dizia claramente, em entrevista à Rádio O LIBERAL/CBN, que manteve contatos com os integrantes desses bandos, para acertar com eles um, digamos, modus vivendi para o clássico de logo mais.
Peguem os jornais de hoje. Consultem os cadernos de esporte. Vejam matérias informando que, dentro do esquema especial de segurança, há uma preocupação especial com as torcidas organizadas.
Mas as torcidas organizadas não foram extintas?
Foram, mas apenas as duas, a Remoçada e a Terror Bicolor.
Ah, sim.
Então, pronto.
A paz nos estádios está garantida.
O vandalismo nos estádios – e no seu entorno -, protagonizado por esses bandos, estão afastados.
A selvageria nos estádio, como a que matou o pequeno torcedor mencionado na sentença, é coisa do passado.
Tudo porque a Terror e a Remoçada foram extintas, mas rebatizadas.
Céus!
Que terra estranha esta nossa Terra de Direitos.
Que terra estranha!

2 comentários:

Anônimo disse...

A aquisição de milhares de dicionários da lingua portuguesa feita pela SEDUC não lhe soa estranho? até porque não houve critério nenhum,senão vejamos:sem licitação;preço maior que o praticado no mercado;beneficiou somente uma editora;inversão de prioridade e principalmente a mudança ortógráfica.

Como uma secretaria que deveria cuidar da educação,me compra dicionários no ano da mudança ortográfica?quanta irresponsabilidade!

Poster disse...

É, Anônimo.
Há várias indagações que deveriam ser respondidas.
Mas não serão, você sabe.
Infelizmente.
Abs.