Da leitora, jornalista e advogada Franssinete Florenzano, sobre a postagem Há certas decisões judiciais engraçadíssimas:
Paulo, meu querido amigo, neste post não posso deixar de manifestar meu pensamento diametralmente oposto ao seu – que, certamente, não levou em conta a dramática realidade atrás de uma situação aparentemente engraçada. Veja só: há portaria do Ibama determinando entre outros aspectos a distância mínima de 100 metros por parte do operador de embarcação e, no caso de aproximação voluntária de um animal – uma baleia, por exemplo - o desligamento do motor. No Código de Postura municipal é estabelecida distância mínima entre edificações, no Código de Trânsito é prevista a distância mínima para estacionar e para trafegar. Tais cuidados são antes de tudo regras de bom senso. E por que não para proteger uma mulher?
A Constituição Federal garante a qualquer cidadão o direito de ir, vir, ficar e se locomover. Por que uma mulher deve ficar privada desta liberdade absoluta em função do medo de agressão física ou verbal?
Durante séculos, a violência contra a mulher não teve qualquer importância social nem mesmo existência legal no Brasil. O assassinato, expressão máxima da violência por atentar contra o bem tutelado mais precioso - a vida -, não era reconhecido como crime se praticado por marido contra a esposa sobre quem pesasse a suspeita de infidelidade.
Na Grécia antiga, a mulher era tida como causadora de todos os males e desgraças do mundo por causa de Pandora que, por curiosidade feminina, abrira a caixa de todos os males. Na antiga Roma, as mulheres não eram consideradas cidadãs e, por isso, não podiam exercer cargos públicos (no Brasil, as mulheres passaram a ter direito a voto somente em 1932, no governo de Getúlio Vargas).
O Cristianismo entende a mulher em condição de inferioridade ao homem por ter sido Eva a culpada pela saída dos homens do Paraíso. Aliada a essa visão religiosa, a Medicina, até o Século XVI, pregava a existência de apenas um corpo canônico e esse corpo, é claro, era masculino. Em pelno 2008, em várias religiões, as mulheres não têm voz, vivem sob o jugo dos pais, casam por imposição, passam ao domínio do marido e, na falta destes, aos filhos. Em outras, as mulheres são mutiladas para que não venham nunca a ter qualquer prazer com um homem, e sejam apenas objetos para a perpetuação da espécie. Em Sete Lagoas (MG), o juiz da 1ª Vara Criminal, rejeitando a punição contra um homem que agrediu a companheira, declarou que “a desgraça humana começou no Éden por causa da mulher, todos nós sabemos, mas também em virtude da ingenuidade, da tolice e da fragilidade emocional do homem”.
A violência contra a mulher existe em todas as classes sociais, independentemente de condição financeira, nível cultural, raça, idade ou cor. A falta de recursos legais para combater essa situação medonha ensejou a promulgação da Lei 11340/2006, a “Lei Maria da Penha” – não por acaso em homenagem a uma homônima vítima. E a Lei Maria da Penha prevê, mediante queixa, o início simultâneo das ações cível e penal, além de medidas para cessar de imediato as agressões, tais como imposição de distância mínima a preservar entre agressor e agredida. Dado Dolabella deu um tapa em Luana Piovani e empurrou com violência uma senhora de 62 anos que a defendeu, quebrando-lhe os pulsos. Será que elas é que vem ficar trancadas em casa para evitar que, chegando perto de Dado, sejam de novo agredidas?
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Do Espaço Aberto:
A postagem da Franssi oferece ao blog uma ótima oportunidade para esclarecer alguns pontos.
A começar pela questão da violência – e sobretudo a que se comete contra a mulher.
A postagem comentada não faz a menor, a mais remota restrição, não faz o menor, o mais remoto reparo à necessidade de adotarem-se cautelas legais para livrar a atriz Luana Piovani de novos tapas do namorado violento que a agrediu e, por tabela, também agrediu a camareira.
O que a postagem comentada contesta é a forma, a maneira como as cautelas deverão ser cumpridas.
Violências são condenáveis contra qualquer um. São mais condenáveis quando envolvem pessoas indefesas. E mais, mais e mais condenáveis ainda quando a pessoa indefesa é uma mulher.
Mas, ainda que a vítima tenha condições de se defender – seja mulher ou homem -, rejeite-se a violência. Violência é violência. Pronto. E ponto.
Se é violência, repudiemos a violência e adotemos medidas que a coíbam.
Esse é um ponto que, pretende crer o poster, agora está bem claro.
No caso concreto da ordem do juízo - para que Dado se mantenha no mínimo 250 metros afastado de Luana -, não há como o blog não reafirmar sua percepção: é uma graça! Sinceramente.
A decisão é uma graça, porque inexeqüível
Franssi, nos perdoe: é uma graça – porque risível, porque inexeqüível, porque não é mensurável, porque será ignorada, porque não há meios da aferi-la na prática.
Franssi, foi mencionado no blog uma situação concreta: os dois, Dado e Luana, numa praia do Rio. Eles são atores, têm mais ou menos a mesma turma, os mesmos amigos, freqüentam os mesmos lugares. Os dois gostam de praia. Já foram várias vezes fotografados juntos na praia.
E aí?
Existe a ordem: um não pode ficar a 250 metros do outro.
Perfeito. Mas os dois, hoje, amanhã ou na segunda-feira, estarão no mesmo espaço, no mesmo pedaço, na mesma praia. Sinceramente, Franssi: haverá meios de medir se um está a 250 metros do outro?
Como fazer isso?
Você, Franssi, e qualquer um poderão argumentar que os 250 metros constantes da decisão judicial representam uma “regra de bom senso”. Perfeito. É aceitável. Mas não haveria uma maneira objetiva, concreta, mensurável, aferível para se evitar que Dado voltasse a agredir a Luana?
Acho que tem.
Vou lhe dar um exemplo.
O juiz poderia determinar que, durante certo período, o agressor não poderia, em hipótese alguma, se dirigir a Luna nem ter contato – inclusive verbal - com ela.
O que significaria isso? Ele não poderia, sob hipótese alguma, falar com ela, não poderia trocar uma palavra com ela, não poderia se encostar nela – nem para cumprimenta-la formalmente -, nada. Absolutamente nada.
Você percebe a diferença? Isso é uma proibição. É uma proibição sensata, mas mensurável, controlável. Tão mensurável e tão objetiva que poderia, inclusive, haver testemunhas. Exemplo: os dois, Dado e Luana, estão na praia, a dez metros um do outro. Dado, de onde está, começa a xingar a ex-namorada. Pronto. Ele já descumpriu a decisão judicial. E a xingada, no caso Luana, poderia invocar testemunhas na praia para confirmar que ela foi ofendida primeiro. O juízo seria informado e poderia adotar as medidas cabíveis para punir a inobservância de sua ordem.
No caso de 250 metros, quem, sinceramente, poderia testemunhar que ele estava a 248 metros ou a 256 metros de Luana. Quem? Absolutamente ninguém.
Por que Dado só é perigoso a 250 metros?
Ademais, Franssi: se a questão é a metragem, e se ela expressa o objetivo de proteger Luana ou qualquer mulher, que meios objetivos haverá para se chegar à conclusão de que um violento como Dado Dolabella só não oferece perigo se ficar no mínimo a 250 metros daquele que ele espancou? E por que não a 500 metros? Ou a 1 quilômetro. E não esqueça, Franssi, que esse rapaz já se envolveu em outras confusões, em outras brigas, inclusive com João Gordo. Então, 250 metros não terá sido pouco?
Franssi, você menciona, por exemplo, portaria do Ibama. Também é esdúxula. Porque ninguém respeita. Em alto-mar, quem é que vai aferir se uma embarcação, com o motor ligado, estava a distância mínima de 100 metros de um animal?
Franssi, você menciona o caso das edificações, a distância que se deve observar entre elas. Neste caso, absolutamente perfeito. Perfeitíssimo. Se você for agora ao Baenão, o estádio do Remo, e medir a distância entre ele e o estádio da Curuzu, vai ver que é mais ou menos uns 100 metros. Amanhã, a mesma coisa. Na segunda-feira, a mesmíssima coisa. Daqui a 50 anos, também. Isso aí é perfeitamente controlável, aferível, oferece um parâmetro objetivo de medição, oferece ao administrador, que tem o poder de polícia, a possibilidade de apanhar sua fita métrica e medir a distância entre dois pontos – que estão parados, que não se movem.
Não é que ocorre entre duas pessoas. E como você mesma lembrou em seu comentário, Luana não poderia e nem poderá ficar trancada dentro de casa. E nem o seu agressor. Eles precisam conviver, precisam sair. Justamente por isso é que a ordem é esdrúxula.
O crime de adultério: tão engraçado que acabou
Franssi, você se lembra quando ainda havia o crime de adultério no Código Penal?
Você se lembra como era tipificado? Os doutrinadores – os maiores – defendiam que só havia adultério tão somente quando se consumava a conjunção carnal de uma pessoa casada com uma outra diversa da de seu cônjuge. Era mais ou menos isso.
Já pensou? Não bastava apenas dar o flagra. Era preciso que, no flagra, os dois estivessem mantendo relações sexuais. E alguns autores até reforçavam: “era preciso que inequivocamente estivessem em ato de conjunção carnal”. E ainda tinha isso: era preciso quase que os dois dissessem em coro: “Psiu, olha aqui, estamos mesmo. Inequivocamente, estamos. Não há a menor dúvida de que estamos”.
Franssi, pode até ser engraçado. Mas era mesmo.
Era tão engraçada a tipificação que o crime de adultério acabou, foi revogado.
Era um crime tão absurdo que acabou. Não há mais. Foi-se. Caiu em desuso, entre outras coisas porque também não era mensurável, não era aferível.
Era um crime risível. Esdrúxulo.
Assim é que são certas leis, que deviam acabar porque inexeqüíveis.
Assim é que são certas decisões judiciais, que não deveriam ser adotadas, porque igualmente inexeqüíveis, para não dizer risíveis.
Como você vê, Franssi, discordamos apenas na metragem.
No mais, concordamos.
Ainda bem.
4 comentários:
Paulo, quem o conhece minimamente sabe que você é um cavalheiro e, sobretudo, um ser humano digno, um homem correto e respeitador, uma pessoa amável, um profissional íntegro, e é claro que seu pensamento e comportamento está a anos-luz da violência. Para mim, embalado pelo vício da nossa profissão – afinal, perde-se o amigo mas não a piada (rsrsrsrsrs) - você apenas deu molho à notícia e resolveu denominar “engraçada” a decisão. Eu diria que é desgraçadamente inócua. E não é que eu esteja mal-humorada. É que as ditas medidas protetivas esbarram, sem dúvida, nas dificuldades estruturais do Estado em implementá-las, mas elas refletem uma situação gravíssima. É óbvio que impor medidas que não podem ser fiscalizadas ou implementadas com um mínimo de eficácia significa contribuir para o desprestígio da Justiça. E sabemos que a fixação de distância mínima entre agressor e agredida é utópica “neste País”, inútil mesmo, eis que instituto típico do direito americano e própria de países de primeiro mundo, o que, definitivamente e para infelicidade nossa, não é o caso do Brasil. Talvez porque entre as classes mais altas, a violência contra a mulher é resolvida nos divãs ou diretamente nos escritórios de advocacia sem que os fatos sejam expostos nos autos, a maioria dos processos cuja motivação expressa foi a violência doméstica envolve famílias humildes. Em tais casos, soa paradoxal impor ao agressor essa medida legal.
Já se viu pedidos em que, se deferida a distância pleiteada pela ofendida, o agressor teria que se mudar para o meio do mato, porque o perímetro urbano da pequena cidade onde ambos moravam não lhe permitiria continuar habitando a sede do município. Mas essa medida pode ter sentido na hipótese em que o agressor, obstinado em acercar-se da vítima, segue-a por todos os lugares, especialmente, para o trabalho.
É que nem a pena substitutiva de limitação de fim de semana, sem serventia na prática. Na maioria absoluta das cidades brasileiras, inexiste local adequado para manter o condenado por cinco horas diárias aos sábados e domingos.
Vivemos o paradoxo de uma lei vanguardista e, ao mesmo tempo, retrógrada. George Orwell, mediante uma fábula em que usa bichos para fazer alusão à tirania, à cegueira do poder, demonstra que embora na essência os movimentos de igualdade entre os seres possam ser embalados pela melhor das intenções, o certo é que acabam ligeiramente modificados, ou, em alguns casos, totalmente comprometidos. A essência do pensamento de George Orwell é que "todos são iguais, mas uns são mais iguais do que os outros".
Um grande beijo e bom fim de semana!
Franssi, grande amiga.
Está aqui, bem aqui, o que eu quis e quero dizer: "desgraçadamente inócua".
Você - com seu texto correto e escorreito, em todos os sentidos - disse por mim e percebeu perfeitamente o sentido das minhas objeções.
Concordamos inteiramente, então.
Acho elogiável, Franssi,realmente acho elogiável o espírito de certas leis em atingir certos fins.
Como é o caso dessas, por exemplo, que protegem mulheres de violentos como o cidadão que espancou a Luana e acabou contundindo, mais do que a Luana, a pobre da camareira.
O problema é que, como as medidas se tornam inócuas, as leis, que em essência são boas, ficam desmoralizadas. Viram potoca, conforme a sentença baratista.
E olhe, Franssi, mais do que todos nós, quem tem razão mesmo é o George Orwell.
Grande abraço e volte sempre.
Inclusive para discordar.
Do contrário, fica sem graça, não é? (rssssss).
E volto mesmo, ainda mais que estou com o site do Uruá-Tapera e o meu blog há cinco dias fora do ar - e nem dois provedores e mais uma empresa que pago para mantê-los conseguiram resolver a situação. Pior: não me dão um mísero telefonema, sequer para apresentar justificativas. Eu que enfarte literalmente sem notícias. Mas eu sou teimosa e brasileira, portanto, não desistirei. Vou sobreviver, alimentando-me dos nutrientes do seu blog! rsrsrsrss...
Pois é Franssi.
Sabem que eu passei por lá e não consegui entrar? Acho que foi anteontem.
Mas pensei que seria um problema passageiros.
Não desista.
Não desistamos (rsss).
Abs.
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