sábado, 5 de abril de 2008

Este rio é minha rua

O deputado estadual Arnaldo Jordy, líder do PPS na Assembléia Legislativa, tem publicado na edição de hoje, de O LIBERAL, artigo intitulado “Este rio é minha rua”.
A abordagem do parlamentar cai como uma luva para a compreensão de situações escabrosas, de escárnio, de deboche e de desprezo à população, como a enfrentada por moradores da Travessa Quintino Bocaiúva, entre os quais a odontóloga Natahalia Ribeiro Cunha, conforme a postagem que o blog divulgou ontem, sob o título de A chuva, a lama, o lixo e o escárnio.
A situação de Nathalia e de seus vizinhos da Quintino, conforme registrado aqui no Espaço Aberto, é a mesma situação enfrentada por milhares de moradores desta Cidade, daí a pertinência de se destacar o artigo do parlamentar.
E aos que objetarem que Jordy diz o que diz porque faz oposição ao prefeito Duciomar Costa, cabe uma pergunta – monossilábica e direta: e daí?
Então porque um parlamentar faz é oposicionista, não poderá fazer análise lúcida sobre certos fatos? Só porque é oposição, não pode eventualmente estar sintonizando com os sentimentos gerais e com a racionalidade? Só porque é oposição, não pode opor-se ao que agride a todos numa coletividade como a de Belém? É isso mesmo?
Abra-se espaço para o Jordy falar. E discorde dele quem quiser. Quem não pisa na lama, quem não tem água invadindo suas casas, quem não sofre prejuízos, quem não tem parentes idosos correndo riscos durante os alagamentos, todos esses podem discordar de Jordy.
Mesmo assim, leia-se o parlamentar do PPS:

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Lembro que os doentes eram carregados em cadeiras e levados até a pista, onde só então era possível pegar um táxi. Vestir branco era um crime. A gente não podia sair de casa arrumado para um aniversário. Vivíamos como caranguejo. Sempre na lama".
Esse foi o depoimento de um morador do bairro de Fátima, dado ao jornal O LIBERAL, em março de 2005, após a conclusão dos trabalhos de macrodrenagem da bacia do Una pelo Governo do Estado, comemorando o restabelecimento da dignidade de morar e da decência de ir e vir sem chafurdar na lama.
A recuperação da bacia do Una, com 22 canais receptores e 32 mil metros de cursos d'água, beneficiou direta e indiretamente 16 bairros de Belém. O projeto modificou as condições sócio-ambientais de uma área de 3.772 hectares e afetou positivamente a qualidade de vida de cerca de 500 mil pessoas.
Pesquisas feitas à época, avaliando os serviços executados, davam notícia da diminuição de doenças como a dengue, a leptospirose, a diarréia e a redução do índice de mortalidade infantil, Além disso, o processo de discussão do remanejamento e reassentamento das famílias contribuiu para fortalecer a organização comunitária ao garantir a representação popular no acompanhamento das obras.
O investimento no projeto foi da ordem de US$ 240 milhões, dos quais 50% foram financiados pelo governo do Estado e a outra parte pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID). Após sua conclusão, as obras foram repassadas ao prefeito de Belém, Duciomar Costa, que assumiu o compromisso de manter e operar os sistemas, preservar e recuperar vias públicas e equipamentos urbanos. Para essa tarefa, a prefeitura recebeu equipamentos que compunham mais de uma dezena de patrulhas mecanizadas, suficientes para os serviços, entre os quais estava o controle das cheias com a operação das comportas do Una.
O que se assiste neste inverno é a culminância do caos: uma cidade arrasada pelas águas, pelo lixo, pelo transbordamento dos canais. Como em todos os anos, numa cantilena hipócrita, a culpa recai sempre sobre a maré, as chuvas ou a população. E ainda que seja evidente que a Prefeitura não é responsável pelo aumento do índice pluviométrico, é preciso separar causas e efeitos. O que aconteceu no canal da 3 de Maio não poderia ocorrer. Passados três anos, o prefeito não cumpriu seu compromisso com os moradores da bacia do Una e isso colocou em risco as obras implantadas e a saúde da população.
Enquanto a Sesan coloca a culpa na chuva e na maré, a prefeitura não explica o desvio do uso dos equipamentos que deveriam estar disponíveis. Há denúncias de que o maquinário repassado pelo governo do Estado esteja a serviço do setor privado. A exemplo dos recursos destinados à vigilância epidemiológica e que foram parar na Guarda Municipal, o desvio de finalidade de recursos públicos sempre traz graves prejuízos para o povo de Belém.
O poeta Rui Barata cantou o Pará e os rios que são as nossas ruas. Mas certamente não pretendia que a poesia fosse tomada ao pé da letra e que a nossa vocação fluvial se transformasse em desdita para o povo que tanto amou.
O Ministério Público tem a responsabilidade de mais uma vez apurar as denúncias que a Câmara Municipal e a Assembléia Legislativa vêm fazendo. Culpar a chuva ou a maré continua sendo, sempre, uma boa saída para os maus governantes e péssima desculpa para o descaso e para o mau uso de recursos públicos. Quem sofre com isso é a população.

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