segunda-feira, 21 de abril de 2008

Entulho autoritário



Claro que a discussão da proposta de emenda constitucional concebida pelo Poder Executivo Federal é salutar ao aprimoramento da democracia. No entanto, mais produtivo, do ponto de vista da afirmação do conjunto de liberdades constitucionais, seria a atenção de toda a sociedade para o entulho autoritário presente na legislação tributária brasileira. Enumero a seguir, em rápidas linhas, apenas quatro exemplos da tentação autoritária do nosso legislador federal.
A uma, registre-se o dispositivo da Lei Complementar 105/2001 que autoriza as autoridades fiscais a acessarem os dados bancários de todos os contribuintes brasileiros, eterna e inexplicável obsessão das autoridades fiscais deste país. Esta regra legal tem a sua constitucionalidade impugnada perante o Supremo Tribunal Federal desde a época da sua promulgação com esteio na maioria esmagadora da doutrina pátria, o que não tem evitado a lavratura de lançamentos fiscais com fulcro na autorização que veicula.
Sobre este dispositivo, mais do que o verbo de um advogado tributarista, vale ouvir o prudente e equilibrado comentário da ministra Eliana Calmon, do Superior Tribunal de Justiça, em estudo doutrinário: “O simplório debate colocado por alguns arautos governamentais em termos de ser favorável à LC 105/2001 ou à proteção dos sonegadores é de incrível primariedade, só podendo ser aceito por tolos e ignorantes, se não contiver a afirmação, o propósito de, mais uma vez, passar a população, por uma mídia mal-informada, a noção de que é melhor a Receita Federal, o coletor do passado, do que a Justiça, quando se fala em assegurar direitos garantidos constitucionalmente ou dentro de uma avaliação proporcional, concluindo-se pela necessidade de afastar-se o direito individual”.
A demora do Supremo Tribunal Federal em decidir acerca da constitucionalidade daquela autorização legal vem deixando toda a sociedade brasileira à discrição das autoridades fiscais, colocando em risco até o Erário Público que poderá sofrer condenações em verba de sucumbência, caso ocorra a esperada pronúncia de inconstitucionalidade da quebra indiscriminada dos dados bancários.
A duas, e na mesma trilha, merece repúdio a regra legal que autoriza o lançamento de tributos com fundamento apenas em depósitos bancários, cuja origem discriminada e pontual não consiga ser individualmente comprovada pelo contribuinte, inclusive pessoa física. Fico a me perguntar se os nobres parlamentares federais que aprovaram esta draconiana regra possuem explicações detalhadas e documentos comprobatórios de inconstetável valor jurídico para cada real que foi depositado em suas contas bancárias nos últimos cinco anos.
A três, cumpre destacar a regra legal que autoriza o arrolamento administrativo dos bens do contribuinte que sofre autuação fiscal cujo valor comprometa seriamente o seu patrimônio, o que, na prática, conduz ao decreto de indisponibilidade administrativa do patrimônio privado, já que ninguém consegue alienar um bem sujeito a tal ônus. Tal regra é de evidente inconstitucionalidade haja vista a desproporcionalidade da restrição que impõe ao direito de propriedade, sem que tenha havido sequer a conclusão do devido processo legal administrativo.
A quatro, idêntica nota crítica merece a regra legal que autoriza o bloqueio judicial de contas bancárias em executivos fiscais. Empresas vêm deixando de cumprir os seus compromissos com empregados e fornecedores, com sérias repercussões jurídicas, e pessoas físicas vêm sendo desapossadas inclusive de seus rendimentos salariais em razão do bloqueio judicial de suas contas bancárias. Pior é constatar que em muitos casos o débito tributário é inexistente e sequer foi dado ciência prévia ao contribuinte para que ele possa oferecer defesa técnica ou oferecer bem em garantia, de resto, um direito potestativo seu.
O Congresso Nacional deve explicações pela manutenção desse entulho autoritário. O fim da lei deve ser a preservação da liberdade e não a consagração da opressão.

Helenilson Cunha Pontes é livre-docente e doutor pela USP e advogado tributarista
helenilson@cunhapontes.adv.br

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