quarta-feira, 9 de abril de 2008

Bem-estar e ordem constitucional


HELENILSON PONTES

Independente da cor que caracteriza a ideologia de quem exerce o poder político, é fundamental reconhecer que a finalidade precípua do Estado é a promoção do bem-estar social, o qual é produto, sobretudo, de desenvolvimento econômico, conceito é que muito mais amplo do que simples crescimento econômico.
A experiência histórica também prova que só o Estado de Direito é capaz de produzir bem-estar social em um ambiente de liberdade individual, proteção da propriedade privada, justiça social e exercício democrático do poder.
O poder estatal de, através do direito, concretizar o respeito à ordem social e às liberdades constitucionais constitui elemento indispensável ao progresso de uma sociedade. A aplicação do direito pelas instâncias institucionais de poder constitui requisito da afirmação do conjunto de liberdades constitucionalmente estabelecidas.
A sociedade brasileira é estruturada segundo regras constitucionais que protegem a propriedade privada, impondo a esta o requisito de obedecer à função social em nome da qual esta proteção é garantida. Há inclusive regras que estabelecem as condições de respeito a tal função social.
Dentro deste marco institucional e jurídico imposto a todos, inclusive e especialmente àqueles encarregados de comandar o Estado brasileiro, é inaceitável que grupos organizados invadam, até com data marcada, propriedades privadas, ameaçando depredá-las se as suas exigências (absurdas, por supuesto) não forem atendidas, em evidente ato de chantagem e de absoluto desprezo pela autoridade estatal.
Mais inaceitável e inacreditável ainda, não apenas para mim ou para qualquer outra pessoa que ainda crê na força civilizatória do Direito, mas para a própria autoridade da Constituição Federal (base da nossa convivência debaixo de uma autoridade política comum), que autoridades públicas saiam em defesa desses grupos organizados, negando e até ignorando decisões judiciais que determinam o respeito à ordem constitucional.
Não se trata de ser politicamente conservador ou vanguardista. O debate não é político, é jurídico. Vivemos por opção histórico-cultural sob uma ordem constitucional que tem que ser respeitada, sob pena de instaurar-se a lei do mais forte. A autoridade do direito e o fundamento democrático do poder constituem instrumentos concebidos pela civilização para a contenção dos abusos de autoridades públicas e dos desejos pessoais ou de grupos que pretendem impor o seu ideário pela força.
Não há bem-estar social possível fora de um regime jurídico onde prepondera o respeito pelas liberdades, pela propriedade, pela justiça e pela democracia. Os grupos organizados que desrespeitam estas premissas da vida em comum devem ser tratados com a força do direito, sob pena de esfacelamento da própria autoridade estatal.
Constitui manifestação de deplorável demagogia política e inominável irresponsabilidade jurídica gestos de autoridades públicas em apoio à “legitimidade social” desses grupos organizados. É o atentato à Constituição Federal sendo aplaudido por quem tem o dever de cuidar da autoridade juridico-institucional da Carta Política.
O primeiro destinatário dos comandos constitucionais é o governante. É a este que cabe, em primeiro lugar, tornar aplicáveis o conjunto de regras e princípios jurídicos que organizam a sociedade brasileira.
É lamentável que o Estado do Pará ainda assista a atos de desprezo pela ordem constitucional. O tema assume ar de notória gravidade institucional quando decisões judiciais que determinam a recomposição da ordem jurídica e o respeito aos comandos constitucionais são solenemente ignoradas por grupos organizados diante do silêncio obsequioso e inconseqüente de autoridades públicas. A continuarmos nesta trilha, o bem-estar social estará cada vez mais longe do povo paraense.

Helenilson Cunha Pontes é livre-docente e doutor pela USP e advogado tributarista
helenilson@cunhapontes.adv.br

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