O Supremo Tribunal Federal iniciou, no dia 5 de março passado, julgamento de ação direta de inconstitucionalidade proposta pelo procurador-geral da República contra o art. 5º da Lei federal 11.105/2005 (Lei da Biossegurança), que permite, para fins de pesquisa e terapia, a utilização de células-tronco embrionárias obtidas de embriões humanos produzidos por fertilização in vitro e não usados no respectivo procedimento, estabelecendo condições para essa utilização, estando a ação pendente de julgamento pelo Plenário da Corte, face ao pedido de vista do Min. Menezes Direito.
O tema merece reflexão, vez que tem suscitado grande polêmica entre diversos setores do corpo social, pelas implicações éticas, filosóficas e religiosas que traz.
Do ponto de vista jurídico, a discussão gira em torno dos fundamentos da ação direta de inconstitucionalidade proposta, consistentes, basicamente, no pressuposto de que a vida tem início com a fecundação, fazendo-se equiparação entre embrião e pessoa humana. Como conseqüência, sua destruição para a realização de pesquisas para tratamento de outras pessoas representaria uma violação da vida, cuja proteção é prevista no art. 5º, caput da Constituição Federal, e da dignidade da pessoa humana (CF, art. 1º, III).
Os argumentos em sentido contrário, contudo, são de relevo.
De início, não se vislumbra ofensa à inviolabilidade do direito à vida. A vida humana se extingue quando o sistema nervoso pára de funcionar. É o que se extrai da Lei de Transplante de Órgãos (Lei nº 9.434/1997), que somente autoriza o procedimento de retirada de tecidos, órgãos ou partes do corpo humano, após o diagnóstico de morte encefálica, momento a partir do qual cessa a atividade nervosa.
Por paridade, o início da vida tem lugar apenas quando o sistema nervoso se forma ou inicia a se formar, situação que se dá, de acordo com pesquisas biológico-fisiológicas, com a formação da chamada "placa neural", somente no décimo quarto dia depois da concepção, implantação e individualização, quando o embrião tem um ambiente favorável para se desenvolver e virar um bebê, tese exposta pela geneticista Mayana Zatz, pesquisadora-chefe do Centro de Estudos do Genoma Humano da Universidade de São Paulo (USP).
Antes disso, portanto, não representa o embrião conservado in vitro, em laboratório, existência em desenvolvimento de um indivíduo humano, não havendo, desta maneira, a propalada ofensa a indisponibilidade do direito à vida. Esse foi o entendimento esposado pelo Tribunal Constitucional Federal alemão, julgando questão semelhante naquele país (BverGE 39:I, 1995).
Em relação à ofensa à dignidade da pessoa humana, o Código Civil estatui que a personalidade civil começa no nascimento com vida, resguardando, ademais, desde a concepção, os direitos do nascituro. O embrião decorrente de fertilização in vitro, conservado em laboratório, não é pessoa, haja vista não ter nascido, nem tampouco nascituro, em razão de não ter sido transferido para o útero materno, não havendo, por conseqüência lógica, que se falar em ofensa a dignidade de pessoa humana, em relação a organismo que, nos termos legais, não reveste a condição de pessoa.
A legislação brasileira, ademais, se harmoniza com a tendência legislativa vigente no direito internacional. No direito comparado, as pesquisas com células-tronco são admitidas em diversos países, podendo-se mencionar os Estados Unidos, Reino Unido, Suécia, China, Israel, Cingapura, Austrália e Espanha, exibindo a legislação nacional, inclusive, um viés mais moderado e prudente, face aos requisitos estabelecidos para a realização das pesquisas.
Exemplo do viés de moderação está no fato de que Lei de Biossegurança ( Lei nº 11.105/2005) somente permite a utilização de embriões fecundados in vitro para fins reprodutivos que não tenham a possibilidade de vir a se tornarem seres humanos, porque inviáveis ou não utilizados no processo de fertilização.
Vale observar, ademais, que de acordo com a lei, as células-tronco deverão ser extraídas de embriões oriundos de tratamento reprodutivo, não se permitindo, portanto, que sejam utilizadas células-tronco extraídas de embriões produzidos exclusivamente para pesquisas.
Tal aspecto tem relevante repercussão ético-jurídica, na medida em que, não obstante originariamente os embriões tenham sido produzidos para fins de reprodução, a implantação não ocorreu e os embriões não virão mais ser utilizado para o mencionado fim, não havendo, portanto, razões para que suas células não sejam utilizadas para promover a vida e a saúde das pessoas que sofram de grave patologia, atribuindo-se à sua curta existência um sentido nobre.
Além disso, ainda que tenham sido cumpridos os requisitos legais enumerados, a aprovação do comitê de ética da respectiva instituição de pesquisa com células-tronco embrionárias humanas será exigida, garantindo-se que as células não sejam utilizadas de forma inconseqüente.
A Lei nº 11.105/2005, ademais, veda expressamente a clonagem humana, a engenharia genética e a comercialização de embriões, exigindo, ainda, o prévio consentimento dos genitores para a realização de pesquisas com células-tronco, assegurando, portanto, o direito de cada um agir em consonância com sua ética pessoal.
Em conclusão, a pesquisa com células-tronco embrionárias representa uma perspectiva de tratamento eficaz para inúmeras doenças que causam sofrimento e morte a milhões de pessoas. O argumento contrário à utilização de células-tronco em pesquisas e tratamentos médicos é alimentado, no mais das vezes, por um sentimento religioso. Não se deve, em nenhuma hipótese, desmerecer a crença sincera de qualquer pessoa ou doutrina. Mas no espaço público de um Estado laico, contudo, hão de prevalecer as razões do Direito e da Ciência, que caminham no sentido da constitucionalidade da Lei de Biossegurança.
Juiz Federal Substituto da 1ª Vara da Seção Judiciária do Pará
segunda-feira, 7 de abril de 2008
A constitucionalidade das pesquisas com células-tronco
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2 comentários:
Irretocável, caro PB, o artigo do dr. Arthur.
Abs
Realmente, Juca.
Uma aula. Das melhores.
Abs.
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