quarta-feira, 13 de fevereiro de 2008

"Era mais forte do que eu"


No AMAZÔNIA:

Falando de forma pausada, e com os olhos cheios de lágrimas em alguns momentos, o ex-militar do Exército André Barbosa, de 26 anos, diz estar arrependido de ter assassinado os adolescentes José Raimundo de Oliveira, Adriano Martins e Ruan Sacramento. Ele afirmou que não tem uma explicação lógica para os crimes que praticou. Em entrevista exclusiva aos jornais das Organizações Romulo Maiorana (ORM), ontem pela manhã, o acusado afirmou que se arrependia depois de matar os adolescentes, mas que não conseguia controlar tais atos violentos. Depois, e como se os crimes tivessem sido cometidos por outra pessoa, procurava as famílias das vítimas, a quem oferecia solidariedade e ajuda para localizar o criminoso.
Relatando problemas que teve na escola e na infância, quando diz ter sido abusado sexualmente por um traficante, o que ocorreu dos cinco aos sete anos, André diz que deixou pistas para que a polícia o prendesse, deixando, por exemplo, o celular no local em que, na semana passada, atacou um garoto de 11 anos. Ele também diz que há muito tempo vem alimentando a idéia de se matar, para, assim, conseguir sua 'liberdade'. E, sem citar as palavras crime e morte, garante que não é um 'monstro' e merece uma 'segunda chance'.

André, você está está arrependido dos crimes que cometeu?
Estou.

Por quê?
Porque eu traí a confiança de muita gente. Da minha família, dos meus vizinhos. Eu perdi a amizade de todo mundo que me respeitava.

Por que você matava os adolescentes?
Eu mesmo não consigo obter explicação. Quando chegava nessas horas, quando eu ia me tocar, eu já tinha feito. Não dava mais para voltar atrás.

Mas quando você atacava os meninos o que se passava na sua cabeça?
(Algo) Batia na cabeça quando eu fazia, aí não dava para voltar. O arrependimento vinha depois. Ao deitar de noite, eu pensava no sofrimento das famílias.

Por que, depois, você procurava as famílias, demonstrando solidariedade?
Eu sabia o que elas (as famílias) estavam sentindo. Eu estava pronto para apoiar da maneira como fosse preciso. Eu levava meus sentimentos.

A polícia diz que você foi ao enterro dos três adolescentes. É verdade?
Não fui nos enterros.

Por quê?
Não tinha coragem de ir.

Você se lembrava dos meninos mortos?
Eu me lembrava algumas vezes quando falava com as famílias.

O que se passava na sua cabeça na hora em que você atacava os meninos?
Dava um branco na hora. Não batia pensamento nenhum. Quando eu me tocava, já tinha feito.

Do que você se lembra exatamente?
Lembro de levá-los para a mata, exceto fazer a execução deles. Parece que era outra pessoa que surgia do nada.

E por que isso acontecia?
Era mais forte do que eu. Não tenho como evitar.

Você conhecia os três adolescentes?
Eu os conhecia há poucos meses.

O que eles representavam para você?
Amigos. A gente se divertia nos cyber, nos jogos.

E o menino de 11 anos, você o conhecia?
Não conhecia ele.

Como você o encontrou?
Eu ia para o banco. De repente, emendei pela Quintino. Aí eu o vi, pela primeira vez. Eu convidei ele para ir de bicicleta, para ele observar minha bicicleta. Eu disse que daria a ele R$ 10,00.

Até aí é você quem está agindo ou essa outra pessoa sobre a qual você não tem controle?
Sou eu mesmo. (Nesse momento, André afirma que foi ele quem deixou as pistas que levaram à sua prisão).

Por que você deixou pistas?
Eu vi a movimentação (dos policiais e nos arredores da casa dele). Se eu quisesse escapar, ninguém conseguiria pegar. No dia em que eles me pegaram... Eu queria me entregar. Eu mostrei a minha documentação para o menino de 11 anos.

Por que você mostrou seus documentos de identificação?
Porque eu queria que ele gravasse meu nome (agindo assim, o menino poderia ajudar a Polícia a identificá-lo depois).

A polícia diz que, ao atacar o menino, você escorregou e deixou o celular cai na mata.
Eu peguei o celular, mas o deixei no chão.

Por que você faria isso?
Era uma forma de lutar contra tudo isso. Eu queria que a polícia me localizasse. Não queria matar. Eu deixei pistas para a Polícia chegar até mim.

Por que queria se entregar?
Porque eu precisava de ajuda.

Você abusou do menino de 11 anos?
Eu o imobilizei e o soltei. Eu deixei ele vivo.

Mas por que, então, você o levou para a mata?
Era uma forma de a polícia chegar até mim. E fazer eu parar.

Você sabia que os policiais estavam à sua procura?
Eu sempre soube, desde o início. Eu observava a presença dos policiais, sabia que eles estavam por perto.

Por que você não se entregou, então?
Por causa de toda essa movimentação. Por medo de perder a vida, sem poder me expressar.

Quando tudo isso começou (o ataque aos adolescentes)?
Não sei. Eu sentia fortes dores na cabeça. Começou há alguns anos. As dores duravam dias, não conseguia dormir.

Você procurou atendimento médico?
Eu fui no hospital, fiz uma tomografia, mas não deu nada.

Como eram essas vozes?
Eu sempre escutei vozes. A minha vida inteira. Desde pequeno. Eu não conseguia entender (as vozes). Não dormia. Noites e noites sem dormir.

Eram só vozes?
Também apareciam vultos. Eram espíritos. Não sei explicar.

Você falava isso para alguém?
Eu sempre falava com a minha família, que me dizia para procurar trabalhar esse lado.

Você procurou ajuda?
Não.

Por quê?
Achei que era bobagem. Sempre acontecia.

Quando apareciam as vozes e os vultos?
Só à noite, quando eu deitava.

Você trabalha?
Ajudava na taberna (da família). À noite, ia para um curso de informática. Ia para o segundo mês lá.

Como você conhecia a área da Ceasa?
Conhecia só quando eu passava de carro por lá. Lá é deserto, não tem nada.

Que horas você levava os meninos para lá?
Eu ia a partir do meio-dia.

Você os levava sempre de bicicleta?
Era.

Eles confiavam em você?
Confiavam.

O que vocês conversavam no caminho até a mata?
A gente falava sobre time de futebol (André torce para o São Paulo e, no Pará, para o Remo), jogos de videogame.

O acontecia quando vocês chegavam na mata?
Eles entravam comigo. Aí, eu imobilizava eles.

Você falava algo antes de imobilizá-los?
Não.

Como você os imobilizava?
Com golpes de jiu-jítsu.

Você praticava essa arte marcial?
Fui praticante.

Quantos golpes você aplicava?
Dois golpes no máximo. Eu neutralizava e deixava eles desacordados.

Esses golpes também funcionariam em um adulto?
Sim. Não há limite para idade. Não é a força, é a técnica.

Quanto tempo isso durava?
Dois minutos e meio, três minutos, no máximo.

Depois, o que acontecia?
Eu amarrava o fio no pescoço.

E depois?
Eu ia embora.

Você não fazia nada com as crianças? Não abusava delas?
Não. Eu ia embora. Não dava para fazer nada.

Que nó era esse que você dava no náilon que usava para estrangular os meninos?
Um nó normal. Nó de forca.

Onde você aprendeu a fazer esse nó?
No Exército.

Você já tinha matado alguém antes dos adolescentes?
Nunca fiz isso.

Já teve problemas com a polícia?
Nunca tive passagem pela Polícia.

Você consome bebida alcoólica?
Não bebo, não fumo, não tenho vícios.

Você é religioso?
Sou católico. Não vou à igreja, mas rezo em casa.

Você tem namorada?
Já tive.

Quanto tempo durou o relacionamento?
Dois anos.

Você pensou em se casar?
Não tive vontade de casar.

Você quis ter filhos?
Não. Nunca me vi preparado para isso.

Qual seu projeto de vida?
Ir embora para a França (onde mora a mãe biológica dele), para servir na Legião estrangeira (uma unidade militar da França).

Por quê?
Para mostrar para o Brasil o militar que eles perderam.

Quanto tempo você ficou no Exército?
Oito anos. Cheguei até cabo temporário.

Você acha que o Exército brasileiro não lhe deu a devida importância?
A gente passa por treinamento e, em determinado momento, (o Exército) dá um chute na bunda.

Mas o que você acha que deveria ser feito?
Tem que (o militar) ser aproveitado, independente da patente ou da cor.

Você está insinuando que sofreu discriminação no Exército?
Todo mundo sabe que sempre houve preconceito nas Forças Armadas.

Ao sair do Exército, você não quis ingressar na polícia?
Não queria ser policial. Eu gostava de ficar em áreas onde pudesse participar de treinamento pesado. Eu gostava de fazer manobras militares.

Você gosta de filmes de guerra?
Gosto.

Qual o seu filme predileto sobre esse tema?
Lágrimas de Sol.

Você gosta de livros sobre guerra?
Gosto.

Qual o livro preferido?
A Arte da Guerra. Gosto muito de História. De ler sobre a primeira e a segunda guerra. Gosto de História em termos geral.

Você é fã do ditador Adolf Hitler?
Eu gostava das idéias dele. Com ele, a Ciência avançou. Só que ele usava a Ciência para o mal. Ele era 'genioso' (um gênio) por ter evoluído a Ciência, mas um burro por usá-la para a maldade.

Você fala das experiências com os judeus?
Sim.

Se a polícia não tivesse te prendido, você continuaria matando?
Não. Eu conseguiria me dominar.

Como, se você diz que não tinha como controlar essa vontade?
Há muitos dias eu estou com a idéia de me matar. Penso o tempo todo em me matar.

Por quê?
Seria a liberdade.

Liberdade?
Quem plantou fui eu. Quem começou a colher fui eu.

Você teve mais alegrias ou tristezas em sua vida?
Mais tristeza até hoje.

Qual a maior tristeza?
Minha mãe biológica ter me enganado.

Como assim?
Ela passou mais de 20 anos me trazendo mensagens do meu pai. Certo dia, joguei um verde e descobri que ele morreu alguns meses depois que eu nasci.

Você sempre quis conhecer seu pai?
Sim.

Quando você descobriu a verdade?
Em 2006. Eu perguntei o local em que meu pai tinha ficado e ela, sem perceber, me falou da morte dele. Ela tinha que ter me contado. Todo mundo merece saber a verdade.

Como é o contato com sua mãe biológica?
Ela mora na França. É raro ela ir lá em casa.

Há quanto tempo ela mora lá?
Há quase 30 anos.

O que aconteceu quando você soube da morte de seu pai?
Ficou mais difícil o relacionamento (com a mãe biológica). Só que eu não demonstrava minha decepção.

Por quê?
Porque sou fechado.

E como era a relação com sua mãe adotiva?
Sempre a tratei com respeito. Ela era tudo para mim. Ela me criou desde pequeno.

É verdade que ela faleceu recentemente?
Ela morreu de parada cardíaca. Tem 12 dias hoje (ontem, terça)

Você comentou com sua mãe sobre esses crimes?
Não.

André, você se considera um criminoso?
Não.

Por quê?
Porque não fiz por vontade própria.

Você se sente culpado?
(Ele fica em silêncio por alguns instantes). Não. Não fiz por querer.

O que você acha que deve ser feito com você agora?
Preciso de toda a ajuda possível, para pagar o que fiz e poder ajudar quem eu fiz sofrer.

Você tem noção de que vai ser responsabilizado por seus crimes?
Eu sei que vou pagar.

Você acha que a cadeia é o lugar onde você deve ficar?
Se eles acharem que eu vou conseguir mudar na cadeia...

O que você diria às autoridades que vão analisar seu caso?
Que preciso de ajuda psicológica.

Como foi sua infância?
Tem partes boas e ruins.

Quais as coisas boas?
As brincadeiras, a convivência com família e amigos.

E as coisas ruins?
Os professores me maltratavam. Uma professora me dava puxões de orelha.

Por que isso ocorria?
Porque eu gostava da piscina que tinha lá (um colégio que, segundo ele, ainda existe e fica na travessa Castelo Branco). Eu queria estar na piscina. Ela não deixava, me colocava de castigo atrás da porta, puxava minha orelha.

Você gostava de estudar?
Não gostava.

Por quê?
Porque me forçava a fazer o que a gente não quer. Eu não sabia ler, ela (a professora) me obrigava a ler. Eu errava as letras, e apanhava com uma régua de madeira.

Mas você gostava de alguma disciplina?
Sempre gostei de História.

Você gostaria de se formar em quê?
Em Geologia. Eu quero estudar nossos solos, nossos minérios. Faço bastante leitura sobre esse assunto.

Você teve a oportunidade de estudar?
Oportunidade eu tive, mas tive muita dificuldade para conseguir aprender as coisas.

Que dificuldades eram essas?
É que os outros queriam que eu aprendesse à força. Eu não estava preparado.

André, você foi abusado sexualmente na infância?
Teve um homem que fez mal para mim.

Você tinha que idade?
De 5 a 7 anos.

Onde acontecia o abuso?
Lá perto de casa, em um antigo matagal. Eu vivia me escondendo dele. Mas sabe como é, criança é besta para caramba.

O que ele te oferecia?
Oferecia linha e papagaio, que era o que eu gostava de brincar.

Quem era ele?
Meu vizinho. Eu tinha raiva dele.

Ele te ameaçava?
Me ameaçava e também minha família.

Você acha que ele fazia o mesmo com outros meninos?
Acho que sim.

O que aconteceu com ele?
Mataram ele (segundo André revelou à polícia, esse homem se chamava Max, era traficante e foi morto por envolvimento com o tráfico).

Você tinha que idade quando ele foi morto?
18, 19 anos.

O que aconteceria se você o encontrasse?
Eu o mataria.

Quando você levava os meninos para a mata, você se lembrava do que aconteceu com você na infância?
Eu lembrava de tudo isso. Vinha à minha mente.

Aí você descontava nos meninos?
Era.

O que você diria agora para os pais dos adolescentes mortos?
Desculpa.

E para seus amigos?
(Silêncio por alguns instantes). Não tenho palavra.

Você é mentalmente sadio?
Sou sadio.

Se você pudesse voltar no tempo, o que você mudaria?
O dia em que me deu vontade de começar a fazer isso.

Era vontade ou necessidade?
Mais necessidade.

Você tinha que fazer, era mais forte que você?
Era.

Quem, afinal, é você?
O Andrezinho de infância, amigo, pronto para ajudar a qualquer momento, a qualquer hora. Sempre ajudei os outros. E sempre quem quebrava a cara era eu.

Como você se sente agora?
Livre.

Por quê?
Tirei um peso das pessoas, que queriam saber quem era o verdadeiro culpado.

Você acompanhava o noticiário sobre as mortes dos adolescentes?
Eu acompanhava. Eu escutava as pessoas falando. Via o noticiário na tevê.

E qual era a tua reação?
Eu sempre falava: quem será esse que está fazendo isso?

O que você tem a dizer, considerando essa outra pessoa em quem você se transformava?
Todo mundo merece uma segunda chance. Todo mundo, para aprender, tem que errar. Eu errei. Tenho que voltar e aprender tudo de novo.

A pessoa que cometeu esses crimes ficou conhecida como 'O Monstro da Ceasa'. Como você se sente ao ouvir isso?
Eu fico chateado. Não sou assim.

Você é um monstro?
Não sou um monstro.

O que você acha que vai acontecer com você a partir de agora?
Vou pagar pelos meus atos.

Como você acha que deve ser tratado a partir de agora?
Preciso de ajuda.

E o que você diria aos pais de uma maneira geral?
Dêem mais atenção aos seus filhos. Sejam presentes no que eles estão fazendo. Não os deixe só. Os pais devem escutar mais seus filhos.

Mas você era alguém de confiança, de quem ninguém nunca suspeitou de nada.
Eu era de confiança, mas não era da família deles.

Os pais devem confiar desconfiando, é isso?
É.

Como você quer que a sociedade te veja a partir de agora?
Quero que me vejam como uma pessoa simples, alegre, de família, que sempre respeitou todo mundo. Sou uma pessoa normal, como todo mundo. Eu estudo, trabalho...

O que você diria para alguém que passou pelos mesmos problemas que você?

Procure ajuda, custe o que custar.

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