O Brasil já padeceu de vários infortúnios, e todos se conectam. Depois da colonização destrutiva, três séculos de pesada escravidão, a mais insensata e mais determinante de todas. Independência sem participação e até conhecimento popular. República proclamada por generais. Inquietações fardadas por décadas a perder de vista, até o golpe de 1964.
Revista de circulação nacional traz matéria sobre a insubordinação de alguns generais em relação ao decreto de esquecimento do golpe. Por quê? Na Cidade Maravilhosa, soprava uma brisa fresca que, naquele dia, tornara amena a tarde no Centro do Rio. Os saudosistas do golpe civil-militar considera, pois, que se falar em ditadura fardada está errado. Eles estão furiosos e descontentes. Desde que foi posta em prática, este ano, a decisão do Ministério da Defesa de retirar do calendário oficial das Forças Armadas as comemorações de 31 de março, dia da "Revolução de 1964", o general Renato Cesar Tibau da Costa tinha certeza de que haveria o efeito dominó ou como gosta a turma do pijama de uma reação em cadeia na tropa.
Da reserva, Tibau comanda o Clube Militar do Rio de Janeiro, renitente cidadela da extrema-direita fardada do Brasil. O general mandou gelar o principal salão da casa porque esperava lotá-lo com saudosistas e, digamos assim, de admiradores do golpe militar de 64. Dois anos antes, um manifesto contra a revisão da Lei de Anistia tinha levado 600 pessoas ao local. A festa do general Tibau, contudo, foi um fracasso de público: não conseguiu atrair nem 150 pessoas.
Mas não foi a reunião familiar do Clube Militar do Rio, no entanto, a única reação dos militares ao decreto de esquecimento da data que rasgou a Constituição do País e derrubou o presidente João Goulart, em 31 de março de 1964. À revelia do ministro Nelson Jobim, da Defesa, outras atitudes de insubordinação aconteceram: em Belo Horizonte e em Pernambuco. O fracasso de ambos foi ainda maior do que o do general Tibau. Avisado pelo Palácio do Planalto, Jobim mandou cancelar os dois eventos e os ameaçou de punição no caso de insistência.
Por tabela, a decisão do ministro da Defesa jogou água fria também para aquela que se anunciava como a grande comemoração do dia, a ser realizada dentro do Quartel-General do Exército, em Brasília, também conhecido como "Forte Apache". O motivo era, digamos, auspicioso, justamente no aniversário do golpe, o General Augusto Heleno Pereira (que trombou com Lula quando comandante da Amazônia), diretor do Departamento de Ciência e Tecnologia do Exército, faria a palestra "A Contrarrevolução que Salvou o Brasil", mas para o público interno. O cancelamento da fala do general foi a pá de cal nas pretensões de Heleno em vestir o pijama de forma gloriosa, ovacionado pelos colegas de farda depois de um período de ostracismo dentro da força terrestre.
Restou às viúvas da ditadura, todavia, como única manifestação minimamente institucional o triste espetáculo do Rio, no dia 25.03.2011, encenado no luxuoso Salão Nobre do Clube Militar. O general Tibau foi o mestre de cerimônias. Foram convidados três expoentes da direita brasileira: a ex-deputada Sandra Cavalcanti, o jurista Ives Gandra Martins e o general da reserva Sérgio Augusto Avelar Coutinho, ex-chefe do Centro de Inteligência do Exército (CIE). Todos afinados com o clima de neurose coletiva do ambiente, o que não deixa de ser, a seu modo, muito grave. Ponto.
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SERGIO BARRA é médico e professor
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