Não me animo com a discussão que levou o Supremo Tribunal Federal a negar vigência imediata à Lei Complementar 135/2010. Ao contrário, me entristece profundamente que a Corte tenha deixado isso se estender por tanto tempo, envolver tanta gente, gerar e frustrar tanta expectativa e causar tanto alarde. Um tribunal constitucional um pouco mais sério não teria sequer aceito discutir o tema. Depois de dar ao país algumas poucas, mas sólidas demonstrações de maturidade, o Supremo anda pra trás, mostra-se extremamente vulnerável às influências da imprensa e incomodamente suscetível a clamores populares – não, precisamos compreender, de uma vez por todas, que isso não é vantagem para uma corte de justiça. O Judiciário sai enfraquecido da novela.
O julgamento encerra umas das páginas mais páginas mais lamentáveis da história do tribunal, pra não dizer do judiciário brasileiro. O Supremo perdeu o passo. Meteu-se onde não devia, e foi mais fundo do que podia. Tão fundo, que no final, até pra sair deu trabalho. Quase falta coragem. Menos mal assim.
A questão nunca foi de técnica. Era de lógica. A mais elementar lógica cartesiana. Só que o Judiciário foi enfeitiçado pelos holofotes de uma imprensa que, em geral, foi incrivelmente omissa no seu papel de expor ao público a complexidade, a extensão e a profundidade do que se estava discutindo. Encandeou-se. Perdeu-se num sarapatel de tolices constitucionais, e cedeu à oligofrenia coletiva, permitindo que uma idéia que mesmo ao operador de direito menos brilhante parecia absolutamente ridícula, ganhasse uma força que nunca poderia ter tido.
Viveu-se um transe hipnótico idiotizante, segundo o qual Justiça se faz a qualquer custo, o povo pode tudo, a maioria – aquela, do Nelson Rodrigues – é necessariamente inteligente, a moral de alguns é a expressão do bem, e a opinião pública é a voz de Deus. Se a Constituição não gostou, azar dela. Acordar deste transe é o primeiro passo para retomar a normalidade social e institucional no país. Mas não é ainda, nem de longe, o último.
Assusta demais que a metade da corte constitucional mais importante do país recorra sistematicamente a uma marmota hermenêutica atrás de outra, pra tentar justificar o injustificável, flexibilizar o inflexibilizável, relativizar o que não pode ser relativizado, ou, na poesia irreverente de Jessier Quirino, dexesistir o existido.
Pior de tudo. Mesmo depois de tomada a decisão definitiva, as únicas questões realmente importantes ainda permanecem sem ser discutidas.
Pra começar, por exemplo, por que o STF sempre aceita ser acuado pelo Congresso Nacional nas alterações de cenário eleitoral inconseqüentes que o Legislativo promove? Acompanhe-se a jurisprudência das Cortes, e é possível perceber sem o menor esforço que a discussão sobre a anterioridade é irritante e recorrente. Este mal-estar de viver discutindo a anterioridade é sempre criado pelo Congresso Nacional. Como pra bom entendedor, meia palavra basta, é evidente que a motivação destas alterações nunca é institucional, republicana; é sempre política, na acepção menos nobre da palavra. Se o Congresso tem realmente interesse em promover ajustes políticos, não pode fazer em um ano sem eleição, não? Tem que ser sempre às vésperas, jogando para o Judiciário a responsabilidade em decidir tudo no ato, no ano, na hora, sob pressão da imprensa, e ainda com este desgaste e esta incerteza terrível de vale/não vale?
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