Na FOLHA DE S.PAULO:
O Ministério Público Federal e os advogados de Marcos Valério Fernandes de Souza negociam um acordo de delação premiada que pode beneficiar o principal personagem do mensalão e, ao mesmo tempo, trazer à tona novos documentos e provas sobre os negócios do empresário mineiro.
Os entendimentos são mantidos sob rigoroso sigilo. A Folha recebeu, em meados de fevereiro, as primeiras informações sobre as tratativas para o acordo. Nos últimos dias, surgiram sinais de que a proposta estaria em fase final de elaboração. As partes não confirmam a existência das consultas e deverão negar formalmente as conversas nesse sentido.
"Não temos nada a declarar sobre o assunto", afirmou o advogado Marcelo Leonardo, em seu nome e de seu cliente Marcos Valério.
A Procuradoria Geral da República, em Brasília, limita-se a informar que não há nenhuma providência a respeito no STF (Supremo Tribunal Federal) e que o acompanhamento do caso cabe ao Ministério Público Federal em Minas Gerais.
A hipótese de Valério acrescentar informações relevantes sobre seus negócios deve preocupar petistas e tucanos. O publicitário foi figura central no esquema de pagamentos a deputados do PT e de partidos da base aliada do governo Lula. É acusado, também, de ter sido o mentor de práticas semelhantes ainda em 1998, na campanha eleitoral que tentou reeleger o então governador de Minas Gerais, Eduardo Azeredo (PSDB).
A viabilidade de um acordo pode encontrar resistências no Supremo. Como está em tramitação a ação penal contra os 39 réus do mensalão, cabe ao relator Joaquim Barbosa decidir sobre o pedido. Sabe-se que o ministro não tem restrições ao uso do instrumento da delação premiada pela Justiça -ao contrário, defende que esse instituto deveria ser mais utilizado. Já houve, inclusive, homologação de acordo de delação premiada no mensalão. Para a concessão de benefícios, contudo, a decisão dependeria dos votos dos demais ministros do STF.
Luta contra o tempo
O tempo trabalha contra Valério e o acordo seria uma última tentativa de evitar uma volta à prisão. A ação penal do mensalão concluiu a fase de interrogatórios dos réus e depoimentos de testemunhas de acusação e contém dezenas de laudos periciais. Sua condenação é tida como certa, quando não caberia mais recurso, pois o STF é a última instância.
A Procuradoria, por sua vez, vislumbraria a possibilidade de reunir provas substanciais, pois acredita que Valério ainda tem munição para engrossar as acusações contra os 38 demais réus do mensalão, ou para ampliar esse rol de acusados, abrindo a possibilidade de novas denúncias. Outra hipótese seria recuperar recursos no exterior supostamente desviados pelo operador do mensalão.
O recurso da delação premiada já foi tentado em 2005 por Valério e recusado pelo procurador-geral, Antonio Fernando Souza, quando o empresário prestou depoimento espontâneo na Procuradoria Geral da República. Na ocasião, Souza achou que "o momento não era oportuno". Na denúncia (acusação formal) do mensalão ao Supremo, o procurador-geral chegou a afirmar que o empresário manifestava "pseudo-interesse em colaborar com as investigações".
Uma circunstância que pode dificultar o acordo: o Ministério Público Federal não tem como assegurar determinados benefícios ao réu, pois depende de aprovação posterior pelo STF, e a defesa de Valério considera "cláusula inegociável" ele continuar em liberdade, mesmo condenado.
A delação premiada é um trato entre a acusação e a defesa. Cabe à Justiça manter o sigilo sobre seus termos. Ela permite a possibilidade de o acusado não ser denunciado (benefício que não cabe mais, no caso); a redução ou isenção da pena e a proteção ao delator (semelhante à que é garantida a testemunhas ameaçadas).
Esses acordos são firmados pelos representantes do Ministério Público, pelos advogados do réu e pelo acusado, sendo submetido, em seguida, à homologação judicial, ou seja, a aprovação do juiz do processo.
Cortina de fumaça
Há duas versões para o noticiário recente sobre ameaças de morte e violências que Marcos Valério teria sofrido no presídio de Tremembé, em São Paulo -com explicações não convincentes de sua defesa e ausência de registros dessas agressões nos órgãos de segurança do governo do Estado.
Atribui-se as ameaças de Valério "contar tudo o que sabe" a uma tentativa de pressão, diante do suposto não pagamento de dívidas do PT em relação ao seu ex-financiador.
A outra hipótese: seria um "balão de ensaio", tentativa de Valério de criar um fato para demonstrar que corre risco de retaliações, e com isso abrir margem para o acordo da delação premiada, que expõe o acusado perante os outros réus.
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