quinta-feira, 3 de abril de 2008

Presidente do TJE defende abertura de processo contra juíza

A presidente do Tribunal de Justiça do Estado (TJE), desembargadora Albanira Bemerguy, aproveitou algumas ocasiões - desde que estourou o escândalo da menor que ficou presa com vários homens e foi torturada por eles numa cela da cadeia de Abaetetuba – para lembrar que o magistrado, no exercício de sua jurisdição e no desempenho de seus poderes, não pode agrilhoar-se aos gabinetes e nem pode desgarrar-se da dimensão humana, essencialmente humana do ato de julgar.
Em entrevista à Folha de S.Paulo, no dia 10 de dezembro do ano passado, a magistrada relatou, nesse sentido, episódios de foi protagonista quando era titular da Comarca de Santarém na década de 70.
“Nas quatro décadas que estou na magistratura, já vi esse filme muitas vezes. Quando era juíza em Santarém, fui tirar um preso espancado, quase morto, dentro de uma cela de delegacia. Isso foi há trinta anos e ainda se repete. Há necessidade de um atendimento ao ser humano e não só a tecnologia. Muita coisa eu conduzia sem esse aparato. Por exemplo, quando os menores não tinham onde ficar, dividíamos eles com o Ministério Público. Dávamos a assistência nas nossas casas até que os colocássemos em lares adequados”, disse a desembargadora.
Na sessão de ontem, do Pleno do TJE, que decidiu por 15 votos a 7 e uma abstenção rejeitar a abertura de processo administrativo disciplinar (PAD) contra a juíza Clarice Maria de Andrade, que era a titular da Comarca de Abaetetuba, quando a menor L. foi vítima de sevícias que chocaram o País, a presidente do Tribunal estava entre os sete que foram votos vencidos.
Os outros desembargadores que votaram favoravelmente à abertura do PAD contra a magistrada foram João Maroja, Raimunda do Carmo Gomes Noronha, Luzia Nadja Guimarães Nascimento, Eliana Rita Daher Abufaiad e Célia Regina Pinheiro, além do corregedor do Interior, Constantino Guerreiro.
No voto que proferiu durante a sessão do Pleno, Albanira ressaltou que as acusações envolvendo a magistrada e servidores em tese configuravam violação aos princípios da legalidade e da impessoalidade, daí justificar-se a instauração de processo administrativo disciplinar contra a juíza.
Observou ainda haver nos autos indícios de que, em torno dos atos da juíza Clarice Maria de Andrade, de enviar o ofício para Corregedoria, solicitando a autorização de transferência da presa, e o de recebimento do mesmo expediente, “pairam muitas dúvidas, em especial quanto ao lançamento de datas. Isso é explorado no bojo da Sindicância e na própria defesa da magistrada, outra razão para a abertura de Processo Administrativo Disciplinar.”
Além disso, complementou Albanira, “estamos no século XXI, na era dos avanços tecnológicos de comunicação, como o aparelho de celular, o que possibilitaria imediata comunicação [da juíza de Abaetetuba] com a Corregedoria, Presidência e respectivos auxiliares.”

A íntegra do voto da presidente do TJE
Da análise minuciosa dos autos de representação formulada pela douta Corregedoria de Justiça, acolhida pelo Egrégio Conselho da Magistratura e ora em apreciação pelo Tribunal Pleno, emergem culpas genéricas e pontuais que passo a apontar.
No caso sub judice há necessidade de serem pesquisados os limites das culpas pontuais e das culpas genéricas, daí porque tramita uma sucessão de inquéritos apurando fatos ocorridos na carceragem da delegacia de polícia do município de Abaetetuba a quando da prisão de uma mulher em cela com presos do sexo masculino, que envolveram autoridades e servidores da área policial, judiciária e Ministério Público (órgão fiscal da lei).
Do exame das peças saltam aos olhos dúvidas e controvérsias sobre: datas; circunstâncias com relação as várias detenções de L., configurando um ciclo vicioso sem solução jurídica; condições da carceragem; a eficiência das visitas carcerárias pelas autoridades competentes e até mesmo quanto a análise técnico-jurídica do flagrante levado a apreciação da magistrada.
Neste particular cumpre-me destacar algumas considerações fáticas e legais que somente em sede de Processo Administrativo Disciplinar poderão ser avaliadas quanto à observância por parte da magistrada representada, senão vejamos.
Depreende-se dos autos de Representação que a magistrada, no dia 23/10/2007, recebeu a comunicação da prisão em flagrante e a manteve, ficando ciente naquela ocasião que uma mulher estava presa na Delegacia de Abaetetuba onde, conforme inspeção realizada pela magistrada, não existia cela própria para prender mulheres, mas tão somente um espaço menor agregado a um outro maior. A respeito, o art. 82, parágrafo 1º da Lei 7210/84 (Lei de Execução Penal) dispõe que a mulher deverá ser recolhida, separadamente, em local próprio e adequado as suas condições pessoais.
Verifica-se, ainda, que de acordo com o art. 310, § único do CPP a autoridade judiciária competente deverá em caso de prisão em flagrante conceder a liberdade provisória quando presentes os requisitos legais independentemente de fiança por se tratar de um direito subjetivo do réu e não uma mera faculdade. O crime imputado a L. foi o tipificado no art.155 c/c art.14, inciso II do Código Penal, que é o furto na modalidade tentada. É crime afiançável, inclusive, consoante o art.323 do CPP, cabendo, portanto, o arbitramento de fiança. Além do que o art.350 do CPP autoriza até mesmo a liberdade provisória sem o pagamento de fiança em caso de pobreza. Por fim, disposições constitucionais (art.5º, LXV, LXVI) garantem a liberdade do indivíduo em havendo ilegalidade ou possibilidade de liberdade provisória com ou sem fiança.
A observância destes dispositivos, dentre outros, por parte da magistrada, precisa ser averiguada no PAD, até porque é mandamento legal, art. 35, inciso I e III da LOMAN, que o magistrado dê cumprimento às disposições legais, ato de ofício e atos processuais.
Há imputações, também, a servidores vinculados à pseudo-negligência da magistrada representada, apontando violação a princípios da legalidade e impessoalidade, que devem resguardar a instituição, razão pela qual entendo como um dever a instauração de um processo administrativo disciplinar.
É também latente nos autos indícios de que, em torno dos atos de enviar o ofício para Corregedoria, solicitando a autorização de transferência da presa, e o de recebimento do mesmo, pairam muitas dúvidas, em especial, quanto ao lançamento de datas. Isso é explorado no bojo da Sindicância e na própria defesa da magistrada, outra razão para a abertura de Processo Administrativo Disciplinar.
Ademais, frise-se, estamos no século XXI, na era dos avanços tecnológicos de comunicação, como o aparelho de celular, o que possibilitaria imediata comunicação com a Corregedoria, Presidência e respectivos auxiliares.
No referido ofício 870/07, de 05/11/07, restou dito que a presa estava custodiada com outros detentos, correndo risco de sofrer todo e qualquer tipo de violência por parte dos demais, informação que por si só exigiria diligenciamento minucioso e até a presença da magistrada na carceragem para saber da real situação da presa, independentemente da resposta da Corregedoria do Interior, justificando, mais uma vez a apuração solicitada.
Ressalto, ainda, que há procedimentos instaurados perante a Corregedoria Geral da Polícia Civil, Ministério Público e Câmara Federal, logo, seria, a meu ver, constrangedor que o Poder Judiciário que representamos se esquivasse ao cumprimento de suas atribuições, o que, certamente, ensejará a avocação dos autos para apuração devida por órgãos alheios a este Poder.
Isto posto, confiando no elevado desempenho desta Corte de Justiça, voto, nos termos do art.49, inciso XXV do RITJE pela abertura do Processo Administrativo Disciplinar em face da magistrada Clarice Maria de Andrade, sem o seu afastamento, eis que não podemos deixar de registrar o reconhecimento a relevantes serviços prestados a instituição pela MM Juíza representada.
É como voto, conste dos autos.

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Desa. Albanira Lobato Bemerguy
Presidente do E.TJE/PA

Um comentário:

Anônimo disse...

Esse tribunal agiu errado.
É por isso que deveria ter sido suscitado o deslocamento da competência para a Justiça Federal, conforme determina a Constituição da República em casos de violação grave aos direitos humanos, mas nenhuma autoridade ou instituição teve peito pra fazer.
O Brasil é o País da impunidade e no Pará lei é potoca, já dizia o Barata.
Ainda bem que os dois últimos concursos desse tribunal foram realizados por instituição de fora. Mesmo assim, ainda vai levar uns 20 anos para ajeitá-lo, prazo em que os apropvados em concursos sérios levarão para chegar ao desembargo.
Muda Brasil!!!!!!!!!!