quinta-feira, 17 de abril de 2008

Assentados em cima de riqueza vão à Justiça contra a Vale

CARLOS MENDES
Belém

Os assentamentos Tucumã e Montes Altos, que juntos abrigam cerca de 2 mil famílias e foram criados há mais de dez anos pelo Instituto Nacional de Colonização e Reforma Agrária (Incra) num terreno onde se localizam imensas jazidas de níquel do projeto de U$$ 1,4 bilhão da Vale no município de Tucumã, no sul do Pará, estão no foco de uma série de denúncias de entidades da região protocoladas nesta terça-feira, 15, no Ministério Público Federal (MPF) de Marabá. As famílias denunciam pressão para deixar o local e acusam a Vale de praticar uma série de irregularidades, usando a força de seu poder econômico e o livre trânsito que tem junto ao governo federal.
Ao afirmar na representação que diversas irregularidades teriam sido praticadas, a Comissão Pastoral da Terra (CPT), associações dos dois assentamentos e os sindicatos de trabalhadores rurais de Ourilândia do Norte e Tucumã querem que o projeto de implantação da planta minerária seja suspenso e que o Incra não retire as famílias da área.
Os denunciantes relatam que 151 moradores foram pressionados a sair do assentamento e forçados a receber até três vezes o real valor de suas benfeitorias. Tudo foi feito sob o olhar complacente do Incra, que ainda não decidiu o que fará com os outros lotes. No maior dos assentamentos, o Tucumã existe uma pequena cidade com escolas, igrejas, comércio, bacia leiteira, gado e plantio de cacau. Em 2003, os assentados do projeto Montes Altos venderam suas benfeitorias à empresa Onça Puma, que em 2005 foi comprada pela Vale. Foi uma espécie de desapropriação informal de um assentamento, a primeira do gênero no País.
Os assentados, impedidos pela legislação que rege a reforma agrária de negociar suas casas, também poderão sofrer sanções penais no desenrolar do processo a ser instaurado pela Justiça Federal. Na verdade, já foram punidos com a exclusão do programa de reforma agrária. "A Onça Puma comprou as posses sem a autorização do Incra, promove danos ambientais, polui grotas e igarapés, com a conseqüente intoxicação e morte de animais, construiu de forma irregular barragens de contenção de rejeitos minerais, desviou cursos d'água e demoliu benfeitorias construídas com recursos federais", acusa o coordenador e advogado da CPT de Marabá, José Gonçalves Batista Afonso.
POSSE - Em julho de 2003, a empresa Canico do Brasil Mineração Ltda. requereu ao Incra a licença de ocupação de uma área de 7.4004 hectares, sendo 5.915 incidentes sobre o assentamento Tucumã e 1.473 sobre o Campos Altos. As terras foram adquiridas pelo Incra no regime de arrecadação e reversão de posse por renúncia de domínio, porque eram utilizadas na agropecuária. A Canico ingressou com o processo regular de pesquisa mineral na área e pediu ao Incra autorização para negociar os lotes com os assentados.
A empresa alegou, entre outros motivos, que os colonos apoiavam totalmente o projeto de mineração e estariam de pleno acordo em sair do programa de reforma agrária, transferindo os direitos de posse para a Canico. Outra argumentação foi de que as terras não eram boas para a agricultura. Apenas 35% serviriam para plantio. E acrescentou que não utilizaria toda a área dos dois projetos de assentamento. Nesse caso, os colonos poderiam permanecer na parte não diretamente afetada pela exploração mineral. O mais forte dos argumentos: a exploração do níquel traria "enormes benefícios sociais" para a comunidade local, como empregos, arrecadação de impostos e estradas.
O Incra fez suas contas e avaliou as benfeitorias em R$ 4,5 milhões. A Canico concordou, ficando acertado que a empresa pagaria o valor em serviços nos assentamentos da região, principalmente em São Félix do Xingu. José Batista contesta a posição do Incra, dizendo que o órgão foi passivo diante das alegações da Canico e em nenhum momento defendeu a permanência dos assentamentos que havia criado, prejudicando centenas de famílias.
De acordo com a representação, as conseqüências dessas "irregularidades" são de grandes proporções: muitos assentados foram convencidos a vender suas benfeitorias e desistir do programa de reforma agrária. Outro problema são as constantes explosões. Os moradores que residem mais próximos da mineradora já não conseguem dormir à noite por causa do barulho provocado pelas máquinas, escavações e explosões. Há inclusive casas que apresentam rachaduras. Escolas também foram fechadas.

Empresa nega qualquer irregularidade na saída de colonos
A Vale, em nota, nega que haja qualquer dano ambiental na área ocupada pelas famílias. Ela diz que, para viabilizar o empreendimento de mineração de níquel, objeto de concessão de lavra pela União Federal, a Onça Puma protocolou em 8 de julho de 2003, junto ao Incra, requerimento para destinação de uma área de terras de 7.404,7611 hectares para uso na mineração, área esta localizada nos municípios de Ourilândia do Norte e Tucumã, de propriedade da União Federal.
A área, segundo a empresa, sofreu processo de "desafetação", termo técnico que significa conceder terra de uso público para mineração. Os imóveis, cuja desafetação foi requerida, encontravam-se ocupados por posseiros. Por isso é que a Onça Puma providenciou a indenização de todas as benfeitorias existentes, tendo os posseiros dado quitação do valor recebido. A nota ressalta que alguns dos posseiros indenizados pela mineradora não quitaram seus débitos perante o Banco da Amazônia (Basa) relativos ao Pronaf.
Por essa razão, a empresa, ao tomar conhecimento desse fato, e apesar de não possuir tal obrigação, resolveu adotar todas as medidas necessárias junto ao Basa para liquidar os valores pendentes referentes às áreas em questão. Diz ainda que, quando da abertura do processo, em 2003, já havia parecer técnico que declarava a área imprópria para a agricultura. "A Onça Puma possui parecer favorável do Incra e aguarda o fim do processo. O parecer do Incra afirma que os posseiros já estão realocados em outra área", salienta a empresa.
LICENÇA - E finaliza observando que uma vez que o empreendimento ainda está em fase de instalação, é impossível haver qualquer tipo de contaminação química. O empreendimento está devidamente licenciado. "A Onça Puma reafirma o seu respeito à legislação e às comunidades localizadas nas áreas do entorno do seu empreendimento".
A gerente de Relacionamento Institucional da Onça Puma, Sol Tomith, disse que não são 151 as famílias indenizadas, mas apenas 73. Ela também rebate a acusação de irregularidade. "Não houve nenhuma irregularidade nesse processo. Todo o processo foi feito com total anuência do Incra". Como a terra é da União e a Onça Puma tinha interesse em implantar seu projeto mineral houve um acordo entre as partes que possibilitou a saída das famílias.
Sobre as explosões, Sol explicou que um funcionário da empresa sempre avisa os moradores quando elas vão acontecer. Ela disse desconhecer que diversas casas apresentassem rachaduras em razão dos abalos provocados pela detonação de dinamite nas rochas. Apenas uma casa apresentou pequena rachadura, mas a Onça Puma, de acordo com a gerente, tomou providências e fez os reparos.

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