terça-feira, 22 de abril de 2008

Alagamentos em Belém não são “fenômenos da natureza”

* A cidade se torna um lago porque não é bem cuidada
* Só uma ação judicial pode obrigar a prefeitura a agir
* Governo municipal não põe nem banco em praça

Nada como um dia atrás do outro, com uma chuva pelo meio, para testarmos a erosão do discurso do prefeito Duciomar Costa quando fala de suas tais obras estruturantes, que em verdade desestruturam a convivência social no espaço urbano de Belém.
O Espaço Aberto expôs aqui, no início deste mês, o drama dos moradores de um trecho da Travessa Quintino Bocaiúva, entre as ruas Pariquis e Caripunas. Mencionou especificamente os prejuízos sofridos pela odontóloga Nathalia Ribeiro Cunha, que está com sua clínica – construída à custa de muito sacrifício – praticamente inviabilizada, em decorrência dos alagamentos que se tornam obstáculos quase intransponíveis para clientes terem acesso o prédio situado no perímetro.
O blog registrou então: “É um balela ouvir gente da prefeitura dizendo que situações como essa da Quintino acontecem por conta de ‘fenômenos da natureza’, como as chuvas e as águas provenientes da subida das marés. No caso dos alagamentos nessa área, por exemplo, elevou-se o nível da Mundurucus. Resultado: quando chove, as águas escoam naturalmente para as partes mais baixas e ficam empoçadas por ali, causando estragos em todo o entorno. Além disso, a limpeza de canais e galerias não é feita como deveria. Por isso é que as obras estruturantes se transformam em tormento, desolação, desesperança e lágrimas.”

MP quer a drenagem periódica de canais
Pois é. E para comprovar que “fenômenos da natureza” não pode ser admitido como álibi para as desestruturações causadas pelas obras estruturantes do prefeito Duciomar Costa, o Ministério Público acaba de ajuizar ação civil pública ambiental contra o governo do Estado, Companhia de Saneamento do Pará (Cosanpa) e Prefeitura Municipal de Belém.
Pede o quê? Pede à Justiça que determine ao Estado e ao município a drenagem e manutenção periódica dos 17 canais e seis galerias que compõem a bacia do Una, além da conclusão das obras previstas no projeto de macrodrenagem e que foram inauguradas no início de 2002, no final do segundo governo de Almir Gabriel.
Quem assina a ação é a promotora de justiça de Defesa do Meio Ambiente e Patrimônio Público da capital, Daniela Dias, sensibilizada com reclamações e relatos que lhe foram levados por moradores do entorno dos canais afetados com as enchentes que constantemente alagam ruas e moradias locais, por falta de manutenção do projeto. A ação com pedido de medida liminar foi protocolada na 2ª Vara Cível de Belém e está sendo apreciada pelo juiz Marco Antônio Lobo Castelo Branco.

“Belém tem se transformado em lago”
Tem mais. Em seu último artigo que O LIBERAL publicado regularmente, sob o título “A generala ‘Águas de Março’, o engenheiro civil Nagib Charone Filho diz lá pelas tantas: “Belém tem se transformado em lago, literalmente, quando cai alguma chuva com mais de uma hora de intensidade. As intensidades das chuvas para este ano foram previstas, e os meteorologistas foram cansativos em chamar atenção para o fato. A Prefeitura de Belém parece que não deu importância para a previsão. Iniciou a campanha de preparação da cidade em dezembro, quando o primeiro sinal de entupimento dos canais suscitou reclamações da população.”
Continua Nagib, com o conhecimento de causa que também lhe dá a condição de professor da Universidade Federal do Pará: “Algumas escavações, algumas carradas de lama e detritos retiradas das áreas em reclamação deram, aos condutores da cidade, a sensação de que teríamos um inverno tranqüilo. Mas a intensidade das chuvas tornou-se virulenta, corrosiva e abrasadora, trazendo mal estar e perigo iminente para a população das áreas que sofrem alagamento e que são bastante conhecidas desde priscas eras.
Em frente, com Charone: “O atual alcaide iniciou o governo com muitas armas na mão, pois que recebeu substancial patrulha de equipamentos novos, ao fim da construção dos trabalhos no canal do Una, cedidos pelo Banco Interamericano de Desenvolvimento, financiador da obra. Essa patrulha deveria ser usada somente na manutenção dos canais, mas parece que a obrigação não foi cumprida. Agora, a prefeitura acusa a população de não zelar pelas vias abertas dos canais e expõe, no jornal e na televisão, as obstruções causadas pelos mal educados das redondezas. É uma tentativa de sair do garrote em que se meteu. Algumas medidas poderiam ser tomadas para minimizar a situação, porém isso não está acontecendo. O descontrole da situação, parece, eliminou a vontade de lutar da turma diretamente encarregada de cuidar do problema.”
Basta. Se você quiser ler na íntegra o artigo de Charone, clique aqui. E se você quiser tirar a prova dos noves para saber quem tem razão, se o prefeito Duciomar Costa com suas obras estruturantes ou aqueles que vêem nos alagamentos o resultado de omissões despudoradas, dê uma olhada na Belém sob os torós de todos os dias – às vezes o dia todos.

Alvíssaras! O banco foi recolocado na praça
Ou então, se quiser, dê uma passadinha na Praça Batista Campos e observe que naquela parte do logradouro, na esquina da Avenida Serzedelo Corrêa com a Rua dos Mundurucus, já está colocado um banco novinho em folha. Sabe há quanto tempo o banco estava fora de lá? Há um ano. A Prefeitura de Belém agora recolocou o banco em seu devido lugar, certo? Errado. Erradíssimo. A prefeitura do prefeito Duciomar Costa não tem tempo para essas bobagens de colocar banco em praça. Está mais preocupada em tocar obras que superem as de Antônio Lemos.
E quem recolocou o banco na praça? A Associação dos Amigos de Batista Campos, criada pelo saudoso Egydio Salles e que se mantém sob o ritmo e a insistência de pessoas que caminham na praça e que moram nas redondezas. São pessoas, enfim, que amam Belém. É um amor tão grande que nem fazem questão de obras monumentais, estruturantes. Não.
Esperam apenas que o Poder Público cuide bem de uma praça. Como os moradores da Cremação, do Jurunas, do Marco, do Telégrafo, do Umarizal, enfim, como os moradores da cidade inteira esperam que a administração pública cuide bem da cidade.
Se não cuida, o resultado são os alagamentos. Se não cuida, acaba provocando o riso quando pretende propagar a imagem de um governo operante, que deixará as marcas da redenção. Dê uma olhadinha aqui e veja se dá para acreditar nisso.
Com todo o respeito.

2 comentários:

Yúdice Andrade disse...

Só posso hipotecar minhas homenagens pelo seu texto. O resto, no mérito, você já disse. Parabéns.

Poster disse...

Grande Yúdice,
Como sabemos, o melhor de Belém poderia ser a chuva.
Mas é doloroso constatar que, quando chove, enquanto alguns estão no aconchego de suas casas, muitos, muitos outros estão no meio da lama que invade suas residências.
Apear de tudo, resistamos (rssss).
Grande abraço.