sexta-feira, 4 de abril de 2008

A chuva, a lama, o lixo e o escárnio


De uma olhada na foto lá do alto. É de um trecho da Travessa Quintino Bocaiúva, entre as ruas Pariquis e Caripunas, área próxima a um dos bairros mais nobres de Belém, o de Batista Campos. O alagamento, nem precisaria dizer, é um desses alagamentos nossos de cada dia, durante as chuvaradas que têm caído nos últimos dias.
Veja agora a foto acima. É de uma cadeira de uma clínica odontológica que fica no mesmo perímetro. A foto não mostra bem, mas a cadeira que aparece na foto está com sua base toda embaixo d’água. Custou a bagatela de R$ 8 mil – limpos. Apenas a primeira parcela foi paga pela proprietária da clínica. A cadeira está danificada.
E agora veja a foto aqui ao lado. É de um dos corredores, de uma das dependências da mesma clínica. Você está vendo como está cheio de água – água fétida, misturada a lama. Água que vem dos esgotos e da rua.
Um dos moradores desse perímetro da Quintino é a odontóloga Nathalia Ribeiro Cunha, que ali reside com sua família há 27 anos. A clínica é dela. Está ali há 15 anos e já teve o nível elevado em relação à rua. Mas não tem jeito. Quando chove um pouco mais forte, a área fica alagada, e o cenário é o mesmo que se vê aí nas fotos.
Nathalia construiu tudo isso com sacrifício. Não juntou dinheiro na lama que inunda sua clínica. Formou-se, construiu seus sonhos e trabalhou para concretizá-los. Fez suas economias e aplicou-as em iniciativa que é a essência de sua vida profissional, o seu consultório. Mas está perdendo tudo, inclusive clientes, que desmarcam as consultas porque não podem transpor o alagamento nos dias de chuva. Vender os imóveis não seria ideal, porque estão completamente desvalorizados. Ela está quase perdendo, inclusive, a resistência de enfrentar uma situação que, até onde a vista alcança, não tem solução.
Nathalia, quando fala sobre a situação, não consegue segurar as lágrimas. Mas não é de covardia que ela chora. É de revolta. Uma revolta que não decorre apenas de prejuízos financeiros que esta situação calamitosa provoca. É uma revolta que provém do abalo emocional que todos os que moram na área sentem, uma vez que têm dificuldades em sair de casa na hora da chuva. Há pessoas doentes, várias delas idosas, que não podem sair sequer para ir a um posto de saúde mais próximo, em busca de socorro.
Nathalia é mencionada aqui apenas como referência. Mas casos semelhantes ao que enfrenta atingem milhares de moradores de Belém. E eles ainda são obrigados a ouvir coisas como o prefeito Duciomar Costa dizer que sua gestão tem investido em obras estruturantes, como as de Antônio Lemos.
É um escárnio à população desta cidade seu gestor dizer uma coisa dessas. É um escárnio. Para reparar esse escárnio, é preciso não esmorecer. Os moradores desse perímetro da Quintino, a exemplo dos moradores de outros bairros de Belém, devem se reunir numa associação para mostrar o outro lado – da lama, do lixo, da imundície e dos alagamentos – das obras estruturantes que a prefeitura diz estar fazendo. E não apenas isso: a odontóloga, pelo menos ela, deve ingressar em juízo com uma ação em que cobrará indenização por danos materiais e morais, além de exigir reparação por lucros cessantes, ou seja, pelos ganhos que tem deixado de obter porque seus clientes já não dirigem mais ao seu consultório.
É um balela ouvir gente da prefeitura dizendo que situações como essa da Quintino acontecem por conta de “fenômenos da natureza”, como as chuvas e as águas provenientes da subida das marés. No caso dos alagamentos nessa área, por exemplo, elevou-se o nível da Mundurucus. Resultado: quando chove, as águas escoam naturalmente para as partes mais baixas e ficam empoçadas por ali, causando estragos em todo o entorno. Além disso, a limpeza de canais e galerias não é feita como deveria. Por isso é que as obras estruturantes se transformam em tormento, desolação, desesperança e lágrimas.
“Eu não agüento mais esta situação”, diz Nathalia.
Nem ela, nem milhares de moradores de Belém agüentam isso, Nathalia. Você não está só. Pelo menos isso.

2 comentários:

Yúdice Andrade disse...

Tenho a sorte de morar num bairro que não sofre alagamentos. Mas sou cidadão desta cidade e, por todos os motivos, preciso trafegar por ela. Tenho sofrido todos os perigos que esses alagamentos representam. Vamos lá: bueiros abertos, podem tragar pessoas e matá-las afogadas; a rede elétrica pode provocar eletrocuções; danos graves e até perda total em automóveis; risco elevado de contaminação por doenças; interrupção de atividades profissionais, escolares e afins; imobilidade da população, especialmente em casos de urgência, etc. A lista é imensa.
Ainda mais detestável é ver tudo se repetir todos os anos. Solidarizo-me com a Sra. Nathalia e demais cidadãos de Belém, que mereciam ver a chuva com carinho - ela que é tão típica de nossa cidade - e não com terror e sofrimento, como agora.

Poster disse...

Yúdice,
Você disse tudo.
Amanhã vou postar seu comentário na ribalta.
Abs. e sucesso.