Por Guto Lobato, do AMAZÔNIA:
Não é só do lado da sociedade civil que o sistema de segurança pública do Brasil tem sido visto com maus olhos. Contrariando o senso comum, um relatório lançado há poucas semanas pela Secretaria Nacional de Segurança Pública (Senasp) junto ao Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD) no Brasil aponta que boa parte dos servidores de órgãos como as Polícias Civil (PC) e Militar (PM) também não aprova o trabalho que faz. Intitulada 'O que pensam os profissionais de segurança pública no Brasil', a pesquisa apontou que 70% dos participantes desejam mudanças urgentes em suas corporações. Grave sinal dos novos tempos, em que a farda não é sinônimo de orgulho para quem a veste - assim como a presença ostensiva da polícia nas ruas não significa segurança total para a população.
Executado a partir de mais de 64 mil questionários preenchidos por policiais, agentes penitenciários, bombeiros e guardas municipais de todo o País, o estudo traz dados, no mínimo, alarmantes - tanto no que tange à satisfação profissional dos servidores quanto em relação a temas polêmicos, como a proposta de desmilitarização da PM, a unificação de polícias e o sistema hierárquico da corporação (veja quadro). O foco do estudo, apresentado durante a primeira Conferência Nacional de Segurança Pública (Conseg) em Brasília (DF), no mês de agosto, é em todas as classes de segurança pública, mas concentra os indicadores mais preocupantes na parte relativa às polícias.
A aprovação do modelo dualista de polícia no Brasil, que engloba as corporações civil e militar, é de apenas 20%. Praticamente 50% dos participantes da pesquisa aprovariam a unificação entre PC e PM, tão discutida no alto staff da segurança pública - mais da metade, no entanto, enfatizando que a nova instituição deveria ser civil. Isso resulta de vários fatores: a hierarquia levada às últimas consequências na PM, o código e regimento arcaicos da corporação, os abusos de poder das altas patentes e as condições precárias de trabalho.
Nada menos que 20% dos participantes do estudo da Senasp relataram já ter sofrido tortura psicológica no ambiente de trabalho, e 54% dizem ter sido humilhados e desrespeitados por superiores. Da mesma forma, 90% dos PMs reclamam por mais qualificação. Enfim, tudo indica que há uma séria crise de motivação entre os servidores no País - bem semelhante àquela que a sociedade percebe ao se deparar com oficiais truculentos, mal treinados e de comportamento instável nas ruas.
O coronel Mário Solano, chefe do Estado Maior Estratégico (EME) da PM do Pará, reconhece a gravidade de tais dados; porém, para ele, o atual modelo de segurança pública já passa por transformações. 'Hoje as coisas já são diferentes. A formação dos policiais agrega disciplinas de polícia comunitária, direitos humanos, cidadania. Não se pode mais ver a polícia, seja civil ou militar, como um órgão meramente repressivo', analisa. 'Temos que lembrar que o pensamento da segurança como uma questão de importância é recente. A 1ª Conseg, por exemplo, foi em 2009, enquanto que a 1ª Conferência de Saúde do Brasil foi em 1941', aponta. 'A verdade é que a valorização dos profissionais de segurança pelo poder público é uma coisa recente', afirma.
Segundo o chefe do EME - que participou da 1ª Conseg em Brasília -, os investimentos na capacitação dos policiais são capazes de reverter boa parte dos indicadores do estudo da Senasp. A formação de praças e oficiais dentro da PM no Pará, por exemplo, recebeu investimentos de R$ 8 milhões no ano de 2008. 'Essa é a forma que encontramos de ter policiais mais preparados, instruídos e motivados a trabalhar melhor pela sociedade. Hoje já sabemos que não há progresso para a polícia sem investimentos em educação', acredita.
Em relação a temas polêmicos como a desmilitarização, no entanto, o coronel é enfático: 'Primeiro, é preciso saber do que se trata essa ‘desmilitarização’. É em relação à formação pedagógica dos praças e oficiais, que seria muito rígida, ou seria uma extinção completa dos militares estaduais? Se for o primeiro caso, não precisa desmilitarizar, porque nossa formação aqui no Pará é feita há anos com base nos princípios da Senasp. E se for o segundo, isso significa que teríamos 500 mil policiais armados e sindicalizados em todo o Brasil. A PM do Pará não aprova tal ideia', diz. 'Essa questão precisa ser debatida com todos seus fatores. Não é uma medida que se toma da noite para o dia', opina Solano.
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