quinta-feira, 1 de outubro de 2009

O Congresso vai barrar os fichas sujas?

Chegou ao Congresso projeto de lei de iniciativa popular, com 1,3 milhão de assinaturas, que veda a participação de fichas sujas em processos eleitorais.
Vocês acreditam que o Congresso vai aprovar isso?
Acreditam que o Congresso, onde se aboletam dezenas de fichas sujas, vai votar contra parte dele mesmo?
Vale a pena esperar.
E enquanto se espera, vale a pena ler artigo do mestre João Baptista Herkenhoff, livre-docente da Universidade Federal do Espírito Santo, professor de mestrado em Direito e escritor,
Um dos maiores juristas do País, ele escreve fácil, simples, fluente, sem juridiquês. Parece até que já aderiu à campanha do Alencar.
O artigo abaixo, disponível no Consultor Jurídico, é de julho do ano passado. Mas está sempre atual.
Nele, Herkenhoff refuta essa balela de que impedir gente condenado penalmente de concorrer a um mandato eletivo configure agressão ao princípio da presunção de inocência.
Não agride não, diz o professor.
Porque inelegibilidade não é pena.
É uma medida preventiva.
Leia, abaixo, o artigo.

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É inviável a análise da vida pregressa dos candidatos pelo eleitor

João Baptista Herkenhoff

De longa data, a sociedade civil vem batendo às portas do Congresso Nacional pedindo que cidadãos manchados por processo criminal não possam candidatar-se. No ano passado, em Juiz de Fora, eclodiu o Movimento Tiradentes levantando esta bandeira.
O Congresso Nacional, entretanto, permanece surdo diante deste reclamo da cidadania. Uma emenda à Constituição, proposta pelo senador gaúcho Pedro Simon visando exigir reputação ilibada dos candidatos a cargos eletivos está à espera, sem qualquer pressa, de oportunidade adequada para ser discutida.
O argumento em abono do princípio aqui defendido é elementar. Exige-se “reputação ilibada” dos pretendentes a diversos cargos na estrutura do Estado. Alguns dos cargos condicionados a reputação ilibada têm tanta ou menos importância do que funções como as de deputado, senador, prefeito, governador. Não seria razoável que uma presumível reputação, assegurada pela ausência de processo criminal instaurado, fosse condição para postular funções de representação popular?
Quando, em 1985, defendemos a convocação de uma Assembléia Constituinte exclusiva, em vez da Constituinte congressual que foi adotada, pensávamos em pontos como este. Só uma Constituinte exclusiva teria vontade política para adotar idéias que contrariam os interesses das viciadas oligarquias políticas que proliferam pelo país afora.
Diante dessa situação de inoperância do Congresso Nacional, para defender sua própria moralidade, a atitude correta da Justiça Eleitoral é cruzar os braços? Não existem caminhos interpretativos que permitam ao Poder Judiciário exercer um papel moralizador?
Creio que a intervenção da Justiça, neste sentido, tem suas sementes na própria Constituição Federal, votada sob forte pressão da sociedade organizada. No parágrafo nono do artigo 14, a Carta Magna expressa sua preocupação em proteger a probidade e a moralidade no exercício da função pública.
A presunção de inocência, na esfera criminal, só se esgota com a sentença condenatória de que não caiba recurso. Esta salvaguarda, correta no campo dos direitos individuais, não pode ter aplicação em sede eleitoral. Aqui o que deve preponderar é o interesse coletivo de obstar a eleição de políticos de “ficha suja” que, freqüentemente, buscam a conquista do mandato como forma, justamente, de proteger-se do braço da Justiça.
Não pode a Justiça Eleitoral desprezar a hermenêutica sociológica. Através desse caminho, o intérprete coloca-se diante da realidade social. É inviável a análise da vida pregressa dos candidatos, por parte do eleitorado, em razão de fatores culturais e políticos que furtam o acesso de grande parcela da população a fontes de informação imparcial, ampla e clara. Diante desse quadro, a Justiça Eleitoral não se pode deixar enredar por uma interpretação literal, que daria elegibilidade a políticos sujos, mas trairia os fundamentos da própria Constituição.

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