SERGIO BARRA
Os escândalos que moem políticos no Brasil e na Inglaterra são úteis para entender a diferença que fazem instituições fortes e a opinião pública atenta. Recentemente, na Inglaterra, mostraram-se deputados fazendo uma folia com dinheiro do contribuinte inglês. No início, rolaram algumas cabeças miúdas. Agora, na segunda quinzena do mês passado, caiu uma cabeça coroada. O presidente da Câmara dos Comuns, Michel Martin, ganhou dois motivos para entrar para a história. Fez o discurso mais rápido de que se tem notícia (34 segundos) e anunciou sua renúncia ao cargo (o que não acontecia havia 314 anos).
Essa orgia com o dinheiro público mostra que os deputados pediam reembolso por gastos para consertar quadra de tênis, limpar fosso de sua casa de campo, aparar cerca viva, comprar cadeira de massagem e televisão de tela plana. Os mais descarados cobraram por hipotecas já quitadas ou por reformas que valorizavam seus imóveis pessoais, logo vendidos por um bom dinheiro. Houve até parlamentar espetando na conta aluguel de filme pornográfico. A mídia comenta que o Parlamento inglês jamais chegou tão perto do fundo do poço.
Martin, um ex-metalúrgico que presidia a Câmara desde 2000, não foi flagrado pedindo reembolso de gastos tão esdrúxulos. Pelo menos, não desta vez. Renunciou porque, sendo presidente da casa, tinha responsabilidade sobre a bandalheira, além de ser conhecido pela infinita tolerância com gastos abusivos.
O exemplo da farra brasileira das passagens aéreas, em que mais de 250 deputados fizeram turismo no exterior, à custa do contribuinte, o escândalo inglês também não faz discriminação partidária.
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“Recentemente, surge como que do nada o verdadeiro imortal do Senado. Com o enfraquecimento do senador José Sarney, Renan Calheiros volta ao centro do poder. Em termos políticos, ele é o real presidente do Senado outra vez.”
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Na essência, a bandalheira inglesa não é diferente da farra das passagens aéreas no Congresso Nacional. Nos dois casos, os políticos se aproveitaram de uma regulamentação pouco clara sobre o uso de verba pública e se apropriaram do dinheiro fazendo despesas que nem de longe são necessárias para o cumprimento de seu ofício. É óbvio que o espírito da norma inglesa não contempla os táxis de lady Mary Martin (gastara 14.000 reais em um ano) nem as 28 toneladas de esterco para adubar o jardim de sir Peter Viggers. No caso brasileiro, é igualmente óbvio que os contribuintes pagam passagens aéreas para que os parlamentares possam cumprir seu dever, indo e vindo para Brasília, e não para levar deputados e senadores com esposas e agregados para passeios na Corte e no exterior.
Recentemente, surge como que do nada o verdadeiro imortal do Senado. Com o enfraquecimento do senador José Sarney, Renan Calheiros volta ao centro do poder. Em termos políticos, ele é o real presidente do Senado outra vez; parece até brincadeira, hein? Mostrou na prática e agiu como se fora ele o presidente da mais alta Corte, e não o combalido Sarney.
Sua grande astúcia e especialidade é ajudar presidentes em apuros no Congresso. Nesta técnica, ele é quase imbatível para sobreviver na política. Como é que ele consegue sempre voltar? Calheiros é um político que sabe fazer amigos e intimidar pessoas. No ramo há mais de 30 anos, foi interlocutor privilegiado dos quatro últimos presidentes - Fernando Collor, Itamar Franco, Fernando Henrique e Lula -, liderou as maiores bancadas do Senado e presidiu a casa por um mandato e meio.
Ele conquistou vários nichos de poder e ajudou parceiros a fazer o mesmo. "Renan joga para o time e cumpre a palavra. Isso é fundamental na política", diz seu mais aplicado discípulo, o senador Gim Argelo (PTB-DF). Sua longa convivência com o poder deu a Renan informações privilegiadas sobre aliados e adversários, o que o torna um dos políticos mais temidos da República. E é exatamente nesses momentos de crise, como a nova CPI - a da Petrobras - que ele emprega melhor suas armas.
Sarney sabe que teve seu maior erro em ter assumido a presidência do Senado pela terceira vez, mas sua vaidade teve um preço muito alto, numa articulação comandada - por quem? Por ele mesmo, Renan. Em uma campanha relâmpago que derrotou o candidato do PT Tião Viana (AC) e surpreendeu até o Nosso Guia. Como seqüelas, brotaram denúncias sobre a administração do Senado que transformaram Sarney em síndico de uma massa falida.
Podres poderes, como explicar quando se está atolado até o último fio de cabelo. Senadores amigos de Sarney dizem que ele pode fazer isso de maneira dissimulada, com um pedido de licença médica. Na Inglaterra, pode-se antever que o resultado resultará num Parlamento melhor, ou menos galhofeiro. No Brasil, é uma pena que não se possa dizer o mesmo.
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SERGIO BARRA é médico e professor
sergiobarra9@gmail.com
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